
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 15 (1), 2024, pp 72 - 84
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/15.1.6
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É possível dizer que, para Ferenczi (1933), o fator traumático (Freud,
1920) está diretamente relacionado à situação de desamparo, ou seja,
à falha do ambiente em se congurar como amparo, força auxiliar, ca-
paz de fornecer suporte e atuar como mediador de experiências que
reconheçam, assegurem e legitimem o lugar do sujeito em seu entorno.
Quando o Estado falha na função de fornecer redes de proteção, um
estado de falta de ajuda é instaurado, deixando à vista a ausência de
direitos básicos que garantem o lugar de cidadão, afetando, assim, a
sensação de pertencimento e a conança nas instituições. Sem um laço
que sustente o pertencimento, o sujeito dicilmente obtém meios de se
inscrever simbolicamente como membro de um grupo (Bordieu, 1997).
Como o reconhecimento por parte do grupo social consiste em uma for-
ma de estabelecimento do status de unidade do eu (Honneth, 2003),
essa ausência compromete o investimento narcísico, reduzindo o arse-
nal de referências identicatórias. Sem laços de pertencimento, os sujei-
tos podem ser lançados para fora da política. Somado a isso, a falta de
recursos necessários para uma vida digna fabrica estados de incerteza,
instabilidade e fragilidade invisibilizados pelo mito da meritocracia que
naturaliza as injustiças sociais. Viver em condições precárias, sobreviver
diante da incerteza de um futuro ou, até mesmo, ter sua privação como
perspectiva, maximiza a condição de desamparo, inerente a todo humano,
instaurando a insegurança, a desestabilização e a vulnerabilidade como
ingredientes da vida cotidiana.
A tarefa de construir dispositivos de escuta para jovens, muitas vezes,
impossibilitados de sonhar com um futuro prossional, precisa conside-
rar, inicialmente, o trabalho psíquico em torno de duas situações de desam-
paro: uma própria da condição adolescente e outra especíca da situação
de vulnerabilidade social (Klautau, Macedo, Siniscalchi, 2021). A chegada
sem aviso da puberdade traz consigo uma situação de desamparo que
convoca um trabalho de elaboração ou, como muitos dizem, que con-
voca o sujeito a adolescer: despir-se da identidade de criança, ou seja,
deixar cair a condição de “sua majestade, o bebê” (Freud, 1914). Nesse
sentido, é possível dizer que o púbere é despertado do sono da latência
e se vê possibilitado a realizar o que até então só era passível de acon-
tecer na dimensão da fantasia. Com isso, uma inquietante estranheza
é instaurada: o jovem não se reconhece mais a partir do olhar de seus
pais. Uma nova roupagem é imposta pelas mudanças corporais e altera-
ções hormonais que transformam a identidade infantil. Tais novidades
colocam o jovem diante do trabalho psíquico da adolescência, ou seja,
de construir um lugar, intra e intersubjetivo, capaz de abrigar o novo
corpo e todas as mudanças subjetivas e sociais atreladas a esta trans-
formação. Esse processo inclui despir-se, deixar cair, ceder, enm, abrir
mão de uma parte de si moldada a partir dos ideais do eu paternos.