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“Há um conceito que é o corruptor e o desatinador dos outros. Não
falo do mal cujo limitado império é a ética, falo do innito”
(J. L. Borges, 1932)
Venho pensando no ilimitado. Sim, entendo que o innito é corruptor.
Não permite as diferenças. É liso, monótono. São os conns os que cons-
tituem a realidade. Também o corpo.
Outro desvelo: a angústia. Seus modos e formas: sinal, automática, au-
sente, hipocondríaca, lacerante, traumática, desorganizada.
Atravesso ambas preocupações e entendo. É isso do que todas falam.
Todas as mocinhas que estou recebendo no consultório tratam a ques-
tão do innito de seus corpos e angústias.
Compartilho com elas:
“Era o mais parecido a estar drogada, mas sem estar assim…Tudo é ir-
real, desdesenhado, como se lhe as luzes de um automóvel. Também
faltam as forças, o corpo não sustenta, ca diluído. É como se me olhara
desde fora, caindo…”
“É como estar em outro lado, não ser eu mesma, mas só em esse mo-
mento…depois acaba. É estranho, me faz sentir rara”.
“Estava sentada no chão e parecia que diminuía meu tamanho, os leitos
se aproximavam, o quarto crescia, se fazia grande, depois pequeno ou-
tra vez…Como se fosse um lme”.
Apresentações cada vez mais habituais na clínica de hoje, os fenóme-
nos de despersonalização têm sido antigos protagonistas da psiquiatria
- não tanto da psicanálise clássica - que tendia a relacioná-los em forma
quase exclusiva com as psicoses. A clínica do grave os tinha como au-
tores principais e seu aparecimento sempre preanunciava diagnósticos
catastrócos.
Para a psiquiatria clássica “A despersonalização constitui um transtorno
de natureza subjetiva (…) se traduz por um sentimento de extranheza,
consecutivo à sensação de uma alteração profunda da pessoa” (Betta,
1981, pág. 256). Outros autores preferem falar de estranhamento, uma
vez que todos os sentidos funcionam com exatidão, “seja que a pertur-
bação se encontrar na visão, na audição ou no pensar vinculado com
os objetos, o resultado é sempre a falta de familiaridade”. É nesse lugar
que este autor (Federn) localiza a perturbação nas fronteiras do ego, de-
nidas como “o órgão sensorial para qualquer apercepção da realidade”
(Abínzano, 2019).
Fenómenos próximos ao desconhecimento do si mesmo, que fazen
questão da co-pertença do ego-corpo. É o mesmo Freud (1919) quem
refere como ominosa uma experiência de esse tipo, onde as coordena-
das têmporo -espaciais estão em xeque e o corpo se apresenta como
simples autómato que aglutina segmentos desmembrados.
DE LIMITES E INFINITOS.
SOBRE O FENÓMENO DA
DESPERSONALIZAÇÃO
María Eugenia Fulvia
Farrés1
1 Graduada em psicologia e
professora de nível médio e superior
em psicologia. Psicanalista de
adolescentes e adultos. Secretária
Cientíca da AEAPG. Membro
plenária e professora dos cursos
de pós-graduação da AEAPG - Un
Lam. Ex-terapeuta e coordenadora
da equipe de adolescentes do
Centro Rascovsky. Ex-coordenadora
da comissão organizadora do
Congresso Anual da AEAPG (2015-
2018). Autora de numerosos artigos
psicanalíticos. Compiladora de
“Psicanalistas do Século XXI. Dentro
e fora do consultório” (Ed. Ricardo
Vergara) Psicóloga da equipe da
Clínica Santa Rosa.