INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 15 (2), 2024, pp 49 - 65
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/15.2.5
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LA RUTA DE LOS
DESÓRDENES DE LA
CONDUCTA ALIMENTARIA
O CAMINHO DOS TRANSTORNOS
ALIMENTARES
THE PATH OF EATING DISORDERS
Lillyana Zusman T.
Asociación de Peruana de Psicoterapia Psicoanalítica de
Niños y Adolescentes
ORCID: 0009-0006-5048-2804
lillyanazusman@gmail.com
Fecha de recepción: 10-10-2024
Fecha de aceptación: 05-11-2024
Para citar este artículo / Para citar este artigo / To reference this article
Zusman T. L. (2024) LA RUTA DE LOS DESÓRDENES DE LA CONDUCTA ALIMENTARIA
Intercambio Psicoanalítico 15 (2), DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/15.2.5
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O estudo da primeira infância é fundamental para compreender a cons-
telação de fatores que inuenciam no aparecimento e manutenção dos
transtornos alimentares desde o nascimento até a adolescência. Du-
rante a puberdade, mas mais ainda na adolescência, se apresentam,
de maneira surpreendente, repentina e violenta, quase sem histórias
perceptíveis, problemas de ingestão alimentar que colocam o sujeito à
margem de uma vida mental e física saudável, muito perto das doenças
que hoje são chamadas as novas doenças da alma (Kristeva, 1993), as pa-
tologias da ação (Kernberg, 1988) ou as doenças psicossomáticas. Esses
sintomas sugerem o perigo iminente de permanecer na forma de ruptu-
ras adolescentes (Laufer, 1995) que interrompem a continuidade existen-
cial, o desenvolvimento físico e o desenrolar da vida psíquica e mental.
As circunstâncias perinatais de cada grupo familiar dão origem a uma
criatividade de vínculo espontânea que contribui para uma adequada
distribuição e assunção dos papéis dentro da família. A criatividade do
vínculo articula as necessidades de cada um dos membros da família
com as necessidades e possibilidades oferecidas pelos outros de forma
a garantir a evolução natural do recém-nascido. A mãe se constitui em
um útero mental: suas funções mentais sustentam as transformações
que dão origem ao “tecido psíquico” indispensável para o crescimento e
o desenvolvimento evolutivo (Lutenberg, 2007).
A tendência ao crescimento e à maturação são disposições herdadas1
que se atualizam ao longo de um processo sustentado pelo ambiente
materno facilitador que incentiva e sustenta o amadurecimento do Yo,
a integração e a residência psicossomática, bem como a coesão do (ver-
dadeiro) self e a possibilidade de se sentir vivo e real (Winnicott, 1958).
A mãe oferece a seu lho uma organização única, adequada e adapta-
da para atender às demandas do filho; como companheira e parceira
do processo de evolução, sustenta seu bebê graças à sua empatia, sua
preocupação maternal primária y sua capacidade para o devaneio já que
o bebê, indefenso, somente existe graças à presença de uma mãe hu-
mana, cuidadosa e com senso comum que facilita a elaboração imagi-
nativa das funções do corpo. Juntos, passam pelo maior e mais rápido
processo de mudança humana em termos de maturação, crescimento e
desenvolvimento. O bebê não existe sem sua mãe e a mãe não se realiza
como tal sem a existência do seu bebê; There is not such a thing as a baby
(Winnicott, 1942).
Após o nascimento ocorre uma mudança substancial no bebê e na mãe.
O bebê nasce de uma experiência intrauterina única; a mãe inicia um
novo papel, com a perplexidade da perda da estabilidade intrauterina a
com a necessidade de lhe oferecer um novo habitat, ao qual deverá se
adaptar numa tarefa iminente da proposta intersubjetiva. Juntos inau-
guram a experiência da vida, cuidam uns dos outros e se inserem no
seio de uma matriz relacional dinâmica.
LO CAMINHO
DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES
Lillyana Zusman T1.
1 Graduada em Psicologia Clínica
pela Pontifícia Universidade Católica
do Peru (PUCP). Mestre em Estudos
Teóricos em Psicanálise pela
PUCP. Diploma em Winnicott pela
Universidad Diego Portales do Chile.
É membro titular da Associação
Peruana de Psicoterapia Psicanalítica
de Crianças e Adolescentes
(APPPNA). Publicou o livro “Os
transtornos do comportamento
alimentar: anorexia e bulimia” (2019).
1 A ansiedade também é uma disposição
hereditária natural.
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Vários autores psicanalíticos estudaram as vicissitudes da relação mãe/
lho numa tentativa de organizar uma leitura uída tanto da díade,
como das funções de cada um dos seus parceiros. O presente trabalho
pretende destacar os aspectos teóricos que têm maior ressonância para
a compreensão da gestação, o desenvolvimento e a manutenção dos
transtornos alimentares na adolescência.
John Bowlby iniciou seus estudos com a Teoria do Apego, defendendo
o apego como o primer regulador da experiência emocional do bebê. O
bebê substitui o vínculo intrauterino por um vínculo simbiótico normal,
que dá origem ao período pós-natal da gestação extrauterina em que
dois corpos, uma psique e uma mente, geneticamente condicionados,
são estabelecidos para iniciar o processo de diferenciação, a partir da
experiência de vínculo dos membros da díade. As crianças com um ape-
go seguro exibem conforto com a proximidade emocional e conança
na acessibilidade das suas guras cuidadoras nos momentos de ansie-
dade ou estresse (Bowlby, 1969). O bebê adota um modelo vertical e
transgeracional que transmite as qualidades de unidade, coesão, auten-
ticidade, regulação e bem-estar e um modelo de organização horizontal
através do qual vivencia um self coeso ou fragmentado, autêntico ou
falso, vitalizado ou exausto, com suciente ou insuciente regulação,
por iniciativa própria o à mercê de terceiros em momentos horizontais
específicos.A necessidade de formar vínculos estreitos com os cuidado-
res é encontrada desde o começo da vida como uma necessidade autô-
noma e não como uma necessidade derivada de uma pulsão (Bowlby:
1969, 1973, 1980).
A teoria do apego é uma forma de conceituar a propensão dos seres
humanos a formar fortes vínculos afetivos com os outros e de ampliar
as diversas formas de expressar emoções de angústia, depressão, rai-
va quando são abandonados ou vivem uma separação ou perda (Bowl-
by,1998)2.
A unidade de experiência interpessoal é interativa; se comunica através
do o de uma sintonia afetiva, em que a criança e sua mãe desdobram
uma estrutura temporal na qual são registradas as vivências e depois, as
experiências. Esta estrutura assume a forma de uma curva guiada pela
alternância dos momentos de tensão e de relaxamento. A criança nas-
ce com habilidades precoces renadas para discriminar características
temporais como a duração e o ritmo, bem como a prontidão precoce
para experimentar eventos interativos através de uma forma primitiva
de pensamento e percepção narrativa. No processo de desenvolvimen-
to, a aprendizagem por condicionamento é substituída gradualmente
pela aprendizagem, pela experiência e pela comunicação narrativa que,
juntas, coordenam e organizam a memória vivencial e da experiência.
12 Bowlby, J. (1998). “El apego”. Tomo 1 de
la trilogía El apego y la pérdida. Barcelona,
Paidós
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Daniel Stern trabalhou a intersubjetividade nas relações na primeira in-
fância. A partir da sua perspectiva, a mãe e seu bebê tecem redes inter-
subjetivas nas quais o bebê atua em relação às representações da mãe,
ao mesmo tempo em que a mãe interage tentando se colocar, alterna-
tivamente, na posição do seu bebê (empatia) e na sua própria (Stern,
1973, 1997). A partir do vínculo intersubjetivo e interpessoal surgem as
experiências de temporalidade e vitalidade. Por um lado, os fragmentos
de tempo constroem-se como sucessões de tensões e relaxamento en-
tre os parceiros ativos da díade a partir das quais se constituem o eu e
o outro emergente (Beretervide, V.: 2008) e, por outro lado, a mãe trans-
mite o poder da sua vitalidade como uma maneira dinâmica de sentir
as experiências envolvidas nos processos de respirar, sentir fome, can-
saço, desconforto, etc. A coerência no tempo das experiências narrativas
permite a decolagem segura e saudável das estruturas que participam
do funcionamento emocional, comportamental e social y que constitui-
rão a base para a historicização da experiência (Aulagnier, 1982, Nicco-
lo,2014). A vitalidade é o impulso da vida, o motor das emoções e do
crescimento físico e mental; seus afetos são qualidades da experiência
que envolvem seu aspecto energético; são as maneiras pelos quais os
movimentos, o som e outros fenômenos ocorrem ao longo do tempo.
Os bebês experimentam essas qualidades a partir de dentro e também
no comportamento de outras pessoas e, em conjunto com outros pro-
cessos, permitem-lhes começar a organizar um sentido precoce de si
próprio3.
A interação mãe/bebê dá origem ao processo de memorização da ex-
periência, que será um marco fundamental para a tessitura da histo-
ricização, que se propõe como tarefa do adolescente. Os fragmentos
de memória incluem memórias passadas próprias e alheias, bem como
memórias próprias e transgeracionais como os segredos, mitos e repeti-
ções que têm um impacto poderoso na vida emocional de cada um dos
membros da família.
O momento presente com todos seus sentimentos, sensações, percep-
ções, pensamentos e sinais contextuais atua como um gatilho, ou me-
lhor, gatilhos, para ativar muitas redes de memória diferentes e deter-
minar quais fragmentos são coerentes e emergirão como uma memória.
Supõe-se que as memórias ou fragmentos de memória não se perdem,
mas sim que o passo crucial é recuperá-los criando um contexto de me-
morização que facilite essa recuperação (Stern, 2997. Pág.220)
3 Nudler, A. (2018). Universidad Nacional de
Río Negro - anudler@gmail.com
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A criança é intuitivamente dotada de um tipo de sistema representa-
cional que lhe permite apreender os estados intencionais dos outros
e de si mesmo (Stern,1997). O vínculo originalmente simbiótico com a
mãe protege e garante o bebê das angustias mais profundas ao mesmo
tempo que permite acomodar-se numa fusão alucinatória somato- psí-
quica onipotente, a partir da qual se gera una matriz de dependência que
organiza o Ego precário do bebê. Dessa interação surgem (1) os pers
temporais que constituem a coluna vertebral das representações das
experiências afetivas e (2) as propriedades coerentes em estado emer-
gente; juntos, proporcionam experiências signicativas para o sujeito
que estabelece a interação do presente, passado e da projeção para o
futuro. Nesse contexto, a criança interpreta os comportamentos huma-
nos motivadas por um objetivo e apreende-os baseando nos seus sig-
nicados e na sua intencionalidade (Em: Beretervide, pág.372). Dentro
desta interação, desenvolve-se um diálogo permanente:
Existe um ser para dois, e o outro não é para mim um simples com-
plemento no meu campo transcendental nem eu sou dele; somos, um
para o outro, colaboradores de uma reciprocidade perfeita, as nossas
perspectivas deslizaram, uma dentro da outra, coexistimos no mesmo
mundo (Em: Fenomenología de la percepción, IV: El otro y el mundo hu-
mano, pág.36)4
Winnicott sustenta que a mãe se oferece ao lho como o ambiente que
proporciona as condiciones saudáveis para seu crescimento físico e psí-
quico. O bebê não nasce integrado, mas sim com uma capacidade natu-
ral de integração, desenvolvimento e maturação que necessita, por um
lado, de ambientes saudáveis para satisfazer suas necessidades sioló-
gicas e, por outro, de uma fonte de apoio e de manejo estável e conável
que lhe garanta as facilidades de crescimento.
A mãe, a partir das suas próprias experiências e do seu desejo de ma-
ternidade, desenvolve a fantasia de um lho vivo; na fase da dependên-
cia absoluta identica-se plenamente com seu bebê e desenvolve uma
força de apoio emocional que suporta e apoia o seu Eu imaturo para
alcançar a sua integração. Além de sustentar seu bebê (holding), a mãe
proporciona um manejo adequado do seu ser (handling) e dedica tempo
e cuidado para apresentar-lhe os objetos que lhe permitirão ter uma
experiênciadeilusão e deonipotência que lhe permitirá crescer com
conança e autonomia (Winnicott, 1993)5. Além disso, protege o bebê
de seus sentimentos pessoais de frustração e de raiva, bem como dos
pequenos fracassos próprios do desenvolvimento (Abadi,1996). Nessa
relação de dependência, o bebê inaugura sua mente no marco de uma
interação entre seu eu em formação, o objeto e o campo interativo.
4 Em: Beretervide, V. : “El modelo de la
constelación maternal” en Daniel Stern.
https://www.academia.org/000-032/5
5 Winnicott, D.W. (1993). The maturational
processes and the facilitating environment.
Karnac Books: London
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Durante o tempo de dependência absoluta, a criança não consegue re-
conhecer o cuidado materno, nem a mãe como objeto; ela apoia a ima-
turidade e a dependência de seu bebê e se oferece para ser introjetada
e para acompanhá-lo durante a etapa de introjeção. O bebê e sua mãe
passam de um estado de indiferenciação absoluta típico da dependên-
cia original para um sentido próprio de integração e de continuidade
existencial que facilita um deslocamento progressivo da libido para in-
vestir o interior e o exterior da soma infantil (Winnicott, 1969). Nessa
primeira experiência de relação intersubjetiva, a mãe cumpre a função
do Eu Auxiliar, ao mesmo tempo que se encarrega de introduzir as frus-
trações medidas para promover crescimento, autonomia e um sentido
próprio de si mesmo.
A conuência da mãe e do ambiente forma um núcleo de generatividade
permanente … onde antes não existia, em que suas fronteiras são traçadas
a partir de um território sustentado pelos braços maternos em não inte-
gração (R. Rojas. pág. 201). A experiência vivida com os pais/cuidadores
ajuda o bebê a construir laços emocionais, bem como uma base segura
a partir da qual possa se aventurar a explorar, primeiro, o mundo circun-
dante, e posteriormente, o mundo interno. Esse processo silencioso de
investimento materno/ambiental abrange a saúde emocional do bebê e
o prepara para enfrentar um estado de maior alerta sensorial e de con-
tato mais uido com o ambiente.
Mas a mãe não é apenas mãe; é mãe em função, em interação, em
sintonia relacional; proporciona ao bebê uma experiência extrauteri-
na acolhedora e amigável, capaz de se adaptar às suas necessidades;
propõe, também, um estado de conança que garante a continuidade
do self, a capacidade para conar nas invariantes e/ou padrões regu-
lares de conança (Stern, 1989) e no seu gesto espontâneo como ex-
pressão do sentimento de continuidade existencial para construir o Eu.
Ao mesmo tempo, interpreta suas necessidades, transmite ocódigo de
linguagemda cultura a que pertence e contribui para a implantação da
sexualidade em seu psiquismo incipiente por meio dos seus cuidados
corporais.Nesse contexto de intimidade, a mãe usa a linguagem para
enquadrar a interação com seu lho e utiliza sua linguagem verbal, não
verbal e corporal para se comunicar com os aspectos pré-verbais do seu
bebê, aqueles que são mais próximos da sensação do que do conheci-
mento, que lhes atribui um sentido de coerência.
Do exposto, ca evidente que a função materna é uma atividade per-
manente que alcança espaços além do biológico. A mãe investe; através
da sua investidura procura experiências de prazer no seu bebê e dosa
suas experiências de angústia. Juntos estabelecem uma relação viva e
dinâmica em que procuram satisfazer suas necessidades de autopreser-
vação, alimentação e higiene.
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A função materna em si é uma resposta ao apelo que o bebê faz desde
esse “eu”, a mãe (ou quem ocupa esse lugar) como sujeito em si sente e
vive os efeitos do exercício da referida agressão do ato inicial de investi-
dura para o bebê…o efeito da investidura sobre o outro tem as caracte-
rísticas do Bing Bang em escala, e que dá início ao nascimento psíquico
tanto do bebê quanto da mãe. E a mãe sabe da força dessa explosão
inicial que a exige, a procura e a aponta. Esta é a forca que Winnicott nos
traz com sua teoria da agressão (R. Rojas, pág.197).6
A comunicação entre a mãe e o bebê é bidirecional: as fantasias incons-
cientes da mãe são lidas pelo lho, a partir da sua capacidade inata de
compreender a comunicação afetiva e reconhecer a preocupação ma-
ternal primaria. Por outro lado, o bebê segurado, olhado, acariciado,
poderá sentir prazer, bem como as primeiras representações do seu
ser corpóreo, seu Eu. A partir da presença de um Eu integrado surge a
possibilidade de traçar as fronteiras entre o Eu e o Não Eu, bem como
a possibilidade de estabelecer as fronteiras entre o mundo interno e o
mundo externo.
Ao longo do processo de crescimento e da relação materna, o bebê con-
solida, num movimento progressivo, a integração do seu psiquismo e do
seu soma. Para isso, tem na sua carga genética a tendência de colocar
em operação ambos os aspectos sobre os quais e, a partir dos quais,
desenvolve sua personalidade. O bebê tem a tarefa de integrar suas
vivências e, posteriormente, suas experiências com o funcionamento
corporal, tarefa que envolve uma demanda ativa de um ambiente su-
cientemente bom que facilite a diferenciação e complexidade dos estados
afetivos no contexto de relacionamentos signicativos.
Assim como a presença atenta e segura da mãe é fundamental para o
desenvolvimento saudável da criança, a presença de uma terceira pes-
soa, o pai, é também necessária para promover a separação gradual do
bebê da sua mãe (Eu-Não Eu). O pai propõe um espaço triangular que
facilita a transição do estágio original marcado pela dependência a um
estágio de relação objetal, como uma proposta saudável de desenvol-
vimento. Juntos, mãe e pai, tentam criar um cenário parental seguro,
constante e rme no qual são geradas as faculdades para simbolizar e
para acessar a função reexiva (Fonagy, 2000). A mãe e o bebê, e depois
o pai, se estabelecem em uma díade/tríade sintônica de sentimentos
dinâmicos que se baseia na reciprocidade, na vitalidade, no tempo rítmi-
co, na equivalência corporal de movimentos e na alternância de turnos.
A estrutura familiar consolida-se, portanto, como um espaço de transição
entre a criança, seus objetos e o mundo social. Assim, a família protege
o bebê contra as exigências do ambiente e também abre caminho para
novas relações, administrando a transição entre o íntimo e a realidade
(Abadi, 1996).
6 La constitución del odio: el lazo social y
su negativo. En: 2020. El odio y la clínica
psicoanalítica actual. Pólvora Editorial: Chile
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Winnicott (1954) dene a posição depressiva como um processo normal
de desenvolvimento, próximo ao momento do desmame onde o bebê
sente que vive em seu próprio corpo e que, portanto, pode se diferen-
ciar tanto do seio materno como do corpo dessa. É o momento do Eu-
-Não Eu e da capacidade do sujeito para se diferenciar dos outros. Essa
etapa deverá ser alcançada e estabelecida ao redor da segunda metade
do primeiro ano como uma conquista, mas, ao mesmo tempo, como um
processo de luto e decepção para o pequeno bebê: o seio não voltará
a ser criado por ele nem é um pertencimento seguro e incondicional
que garanta o deslizamento sobre a continuidade existencial. A posi-
ção depressiva é alcançada tendo superado os desaos de crescimento
e amadurecimento dos primeiros 6 meses de vida para se estabelecer
como pessoa completa e se relacionar com outras pessoas completas.
Se o bebê não atingir a posição depressiva, tentará usar suas defesas
usando defesas que lhe permitam recriar sua ilusão, mesmo que seja de
maneira onipotente e ilusória.
O Eu, como emergente psíquico, abriga a possibilidade de reconheci-
mento de seus conteúdos e de suas diversas emoções; surge de um
espaço em que a experiência é informe, vazia e de um espaço em que os
objetos não são distinguíveis. O seu surgimento é uma conquista exis-
tencial; surge à medida que o bebê apoiado consegue dilatar e guardar
suas experiências de satisfação e de conança que estão sustentadas
pelas constantes formadas a partir dos traços de memória do prazer da
graticação e da memória de todos os cuidados maternos (Stern, 1995).
Além disso, facilita a conexão do bebê por meio de redes e contatos as-
sociativos que são ativados e desativados de acordo com as demandas
dos diferentes contextos. Existe um eu desde o início? O início está no
momento em que começa o Eu; o Eu é forte ou fraco? Sua força depende
da mãe real e da sua capacidade para satisfazer a dependência absoluta
da criança real.
A integração, personalização e incorporação de relações objetais são
três marcos fundamentais que ocorrem no caminho do crescimento da
dependência absoluta até a independência. A integração do Eu é um es-
tado dinâmico, um acontecimento existencial, uma conquista do desen-
volvimento graças à interação de apoio, da personalização, do contato
e reconhecimento das funções corporais e da apresentação de objetos.
A integração no tempo se constrói de mãos dadas com a integração no
espaço: juntas se conguram como um eixo de desenvolvimento vital.
Quando a educação segue adequadamente, com a presença de uma
mãe sucientemente boa, o Eu se liga ao corpo e às suas funções e à
pele como membrana limitante entre o interior e o exterior. Este proces-
so de integração corporal é denido como «personalização» (Winnicottt,
1962). O sujeito integrado geralmente desenvolve funções superiores
como são o pensar, desejar e destruir.
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O self origina-se espontaneamente na própria pessoa; está ligado às pul-
sões e ao funcionamento seguindo as orientações do processo primário.
Surge como consequência da devoção da mãe sucientemente boa para
seu lho; é o lugar de onde vem o gesto espontâneo e as ideias pessoais.
O self é coerente através do uso do intelecto e nos permite olhar o que
os outros veem, sentem e ouvem, e o que concebem em seu próprio
corpo infantil. Winnicott (1962) o dene como o potencial herdado que
experimenta uma continuidade do ser e à sua maneira e à sua velocida-
de uma realidade psíquica e um esquema corporal pessoal. Sua função
está orientada para a aquisição de um mundo interno original que incor-
pora a satisfação das necessidades, a geração da ilusão, a conança de
que seus impulsos lhes pertencem e que são capazes de criar objetos.
A coesão do eu e o estabelecimento dos seus limites e fronteiras se con-
solida graças à presença da função materna, cuja identidade é mantida
graças a um ambiente que sustenta os primeiros momentos pós-natais.
Ao longo do processo de interação, os modelos de estar e os comporta-
mentos interativos são ativados e modicados mutuamente, sem que
esta troca seja um obstáculo para a permanência e a formação da iden-
tidade, a que gradualmente se congura no Eu. Se o funcionamento do
verdadeiro self não for interrompido nem precocemente, o sujeito se
fortalece e terá um funcionamento adaptativo e exível que lhe permite
tolerar as interrupções de continuidade existencial, com um certo grau
de funcionamento adaptativo e exível.
Winnicott diferencia os estados de saúde dos estados de doença e sus-
tenta que, num estado de saúde, a mente possibilita uma compreensão
e eventual utilização do seu fracasso relativo e conserva uma identidade
com seu corpo e seu funcionamento (eu corporal) que é denido como
o eu sou. A coerência e a unidade psicossomática garantem a sua conti-
nuidade existencial, a sua normalidade, a sua harmonia, a validação dos
seus desejos e das suas necessidades e a comunicação uida com os
seus cuidadores. Num modelo de saúde, o bebê percebe seu corpo vivo
com sus limites e arestas internas e externas como parte do núcleo do
ser imaginativo. Se o bebê reconhece a mãe e as falhas ambientais que
ocorrem espontaneamente, sua dependência é relativa e terá início o
caminho para sua independência no qual desenvolverá recursos apro-
priados para administrar suas vivências e experiências. De acordo ao
desenvolvimento saudável, a mãe oferece proteção do Eu: o acalma das
suas angustias e o ajuda a crescer oferecendo-lhe a experiência da con-
tinuidade existencial. O bebê se orienta para experiências e sentimentos
positivos e internaliza os aspectos saudáveis de seus pais. Estes ensina-
mentos são decisivos para o desenvolvimento do sentimento subjetivo
do self e para sua regulação emocional. Sob o manto dessas garantias,
o bebê não enfrenta a angustia insustentável nem teria que recorrer a
defesas primitivas, como a cisão, a projeção e/ou a identicação projeti-
va, que o conduzem para um falso self ou para uma personalidade como
si mesmo.
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Em situações de materialização errática, a mãe não é sucientemente
boa, não é capaz de sustentar a onipotência do lho, nem de investir; ela
deixa de responder a seu gesto espontâneo quando coloca seu próprio
gesto em primeiro lugar. O deslocamento do bebê para um segundo
lugar ou para um lugar não signicativo determina que ele tenha dicul-
dades para iniciar o processo de maturação do Eu e/ou que o desenvol-
vimento do Eu que distorcido em certos aspectos de vital importância.
Diante dessa agressão da mãe/ambiente, a criança reage atacando seus
objetos ou a si mesmo ou submetendo-se aos ditames do outro. Nessas
circunstâncias de perda de perspectiva e de direção, consolida-se a pri-
meira fase do falso self para defender, esconder e proteger o verdadeiro
self do sofrimento, para preservar-se sem arriscar, sem se submeter e
sem se expor à realidade y para buscar condições que lhe permitam
se apropriar do que lhe interessa. A partir dessa posição falsicada, a
criança tenderá a construir um jogo de relações falsas, um mundo de
cção, que, com os anos, se torna uma cópia surrada da sua mãe ou
responsável.
O fracasso materno coloca o bebê à beira das suas ansiedades de ani-
quilação, do terror ao vazio, do terror sem nome; sua fragilidade psíqui-
ca é grave e a possibilidade de integrar um Eu é remota. O bebê está
exposto às ameaças de desintegração e ansiedades primitivas que, ao
se consolidarem como uma organização defensiva, dão origem a um
funcionamento psicótico que engloba as agonias primitivas. Se o caos
não puder ser contido, instala-se um quadro psicótico que se consolida
como una organização defensiva e não como um fenômeno de colapso
essencial. Abadi (1996, pág.172-173) explica as consequências de um es-
tado de desintegração:
O regresso a um estado de não integração cuja defesa será a desinte-
gração
Cair para sempre cuja defesa é a autossustentação
A perda da relação psicossomática cuja defesa é a despersonalização
A perda do desenvolvimento do real cuja defesa é a exploração do nar-
cisismo primário e do pensamento onipotente
Se as funções de cuidado falham, a continuidade existencial é inter-
rompida, o psicossoma rompe-se e o bebê é ameaçado por ansiedades
primitivas que prejudicam sua integração e seu desenvolvimento e que
promovem o desenvolvimento de defensas de desintegração e/ou de
uma tendência à autosustentabilidade precoce e defensiva. O caos da
desintegração pode ser tão «ruim» como a falta de conança no am-
biente; porém, o simples fato de ser produzido pelo bebê evidencia que
sua origem não é ambiental, mas sim que está dentro do âmbito da oni-
potência do bebê. Em circunstâncias ainda mais graves, o bebê pode,
simplesmente, não ter sequer integrado, o que representa uma situação
de imensurável precariedade emocional.
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As falhas no cuidado induzem o bebê a uma hiperatividade do funcio-
namento mental, o crescimento excessivo da função mental reativa e
desenvolve uma oposição entre a mente e o psiquesoma. Um rápido
aumento da reação aos ataques que perturbem a continuidade do psi-
quesoma é algo esperado e tolerado com o ajuste da capacidade mental
do indivíduo. Porém, o bebê não pode tolerar reações excessivas que
ultrapassem o limiar de suas possibilidades de ser. Diante das falhas de
adaptação ativa o ambiente, o funcionamento mental torna-se um obs-
táculo para o psiquesoma ou para a continuidade existencial do indiví-
duo (Winnicott, 1949). Diante da confusão, as reações serão catalogadas
ou memorizadas de maneira negativa/defensiva.
O bebê que não foi sucientemente bem cuidado numa fase anterior à
posição depressiva se depara com a possibilidade de que a mente usur-
pe a função do ambiente e assuma o controle da psique e do soma; se
a posse for do psiquismo, o resultado será um transtorno psicótico, e se
a apropriação for do soma, o resultado será um quadro psicossomático.
O Eu precário não pode enfrentar suas caóticas ansiedades primitivas
e enfrenta o que Winnicott (1963) deniu como medo do colapso, um
medo próprio de uma agonia original vivida no passado.O colapso emo-
cional surge se, diante do poder das angustias de aniquilação, a estrutu-
ra defensiva falha.
Essa experiência de ter tido contato com as ansiedades primitivas e as
experiências de confusão e desintegração deixa uma marca traumática
no psiquismo. A organização das defesas de emergência precoce gera
uma cisão do self com o objetivo de manter o trauma sob cerco, que ca
assim inscrito no inconsciente não reprimido, sem acesso à memória ou
à fala, mas com potencial para atualizar-se em experiências angustian-
tes. O medo de ser “abandonado” e de perder a unidade psicossomática
será reativada ao longo da vida (Abadi, 1996. pág.74).
Quando a psique é seduzida para entrar na mente e se afastar da re-
lação íntima que originalmente tinha com o soma, a mente controla e
cuida do estado do psiquesoma, tarefa que, originalmente, é função do
ambiente. Diante da falha do ambiente, origina-se a mente psique pa-
tológica, cujo padrão deformado afetará todas as outras instâncias do
desenvolvimento. Este tipo de dinâmica leva a uma indiferenciação so-
mato-psíquica no bebê.
O ambiente é aquele que se adapta às necessidades do psicossoma re-
cém-formado …. o mal meio é mal porque devido à falha de adaptação
torna-se um ataque contra o psiquesoma, ataque diante do qual o psi-
quesoma (ou seja, o pequeno) deve reagir. Esta reação perturba a con-
tinuidade existencial do novo indivíduoA mente tem entre suas raízes
o funcionamento variável do psicossoma, raiz que lida com a ameaça
que paira sobre a continuidade de ser despertada por qualquer falha de
adaptação (Winnicott, 1949, pág. 332-334).
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Para Balint (1993), os fracassos repetidos na criação de vínculos ameaçam
a continuidade existencial e dão origem a um processo de fragmentação
que gera um espaço de dano potencial. Propõe o conceito de falha bá-
sica como uma falta que se gera nas fases formativas do bebê, na inter-
seção entre as suas necessidades psicobiológicas e materiais fornecidas
desde o nascimento. Este estado decitário da psique revela uma falta
de ajustamento entre a criança e os seus cuidadores, porque a relação
está centrada nas necessidades do adulto. A falta denuncia um senti-
mento de vazio original que não é o produto de um complexo ou de um
conito, mas de uma falha ou de uma negligência que atravessa toda a
estrutura psicobiológica do sujeito. Se as necessidades psicobiológicas
do bebê forem excessivas e não houver cuidador disponível, a falha é
considerada congênita; pelo contrário é considerado ambiental se es-
tiver associado a cuidados parentais insucientes, ansiosos, superpro-
tetores, incoerentes e inoportunos do cuidador. Em ambos os casos, a
falha tende a dicultar o desenvolvimento da criança e inuenciar a sua
capacidade de obter autonomia suciente. A divisão é a defesa natural.
O autor propõe que esta fase funciona de forma diferente do Complexo
de Édipo, mas não a dene como pré-edipiana porque, estruturalmente,
o Complexo de Édipo ocorre no contexto de uma relação de tipo trian-
gular, enquanto na falha básica as relações são primitivas e, portanto,
diádicas; qualquer terceiro elemento aparece como um peso ou tensão
no sujeito. Neste sentido, o carácter dinâmico é não conituosa.
Nesta fase de mudanças e desaos (o bebê senta, pega o alimento sóli-
do, agarra com as mãos, reconhece os brinquedos, etc.), o bebê tem de
resolver gradualmente a transição da dependência para a independên-
cia e denir as suas possibilidades e/ou diculdades para tomar conta
de si mesmo, a partir do reconhecimento dos limites do seu Eu em for-
mação e da aceitação da presença dos outros. Esta tarefa é complexa
e precisa da ajuda de uma mãe sucientemente boa para sustentar a
dependência durante o tempo que for necessário, sem a perturbar. As
diculdades em passar pela posição depressiva não geram patolo-
gia, como também dicultam a capacidade do bebê de car sozinho. O
medo de regredir a um estado de dependência confronta o bebê com o
terror de ser deixado cair e com a experiência de ansiedades ferozes de
aniquilação, cada uma das quais com impacto no crescimento normal.
Estas são a matéria-prima das ansiedades psicóticas que correspondem
à esquizofrenia ou ao surgimento de um elemento esquizóide oculto em
uma personalidade que, em outros sentidos, pode ser denida como
não psicótica.
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O reconhecimento de sua dependência excessiva e de sua falta de auto-
nomia gera no bebê raiva e intolerância diante dos fracassos dos outros
que ele não consegue controlar. Esses seres prejudicados, azedos, rai-
vosos geram comportamentos de voracidade, possessividade, desres-
peito ao objeto, a alternância permanente entre a idealização (quando
a necessidade aumenta) e a difamação (quando a necessidade diminui)
(...) (e o bebê) não estabelecerá uma verdadeira relação com o outro que
implicaria o compromisso de reconhecê-lo e cuidá-lo. Na estreiteza do
seu aparelho psíquico/afetivo, ele utiliza apenas os objetos que controla
e que pode pegar e/ou abandonar à sua vontade. O compromisso emo-
cional com o outro torna-se impossível; com um eu tão denegrido, ele
trata as pessoas como coisas, que só têm valor na medida em que ele
precisa delas.” (Abadi, 1996. pág.82).
W. Bion sustentou que o bebê cresce no vínculo com sua mãe, num vín-
culo de complementaridade em que a mãe se estabelece como um re-
cipiente que contém seu bebê, o conteúdo. Nesta relação complemen-
tar, a mãe é o recipiente das projeções do bebê, que, posteriormente,
o bebê reintrojeta como projeções digeridas que são articuladas não só
como um objeto interno bom e generoso, mas também como um objeto
que pode ser pensado.
No início da vida, a criança pequena e a mãe são a mesma pessoa. O
bebê nasce com um preconceito inato do seio materno. Eles constroem
uma relação fundida que rege o funcionamento somato-psíquico origi-
nal. A mãe, a partir de seu devaneio, contém as projeções infantis, que
as projeta na esperança de se libertar do desconforto, do peso, da in-
terferência dos conteúdos não processados pela mãe que se mantêm
no precário aparelho psíquico do bebê como elementos beta. Graças
ao devaneio, ele os digere e os devolve na forma de elementos Alfa para
que possam ser pensados e compreendidos. A mãe e o bebê vivem as
suas identicações projetivas como uma realidade; o bebê projeta na
mãe os sentimentos de que se quer libertar; a mãe reage devolvendo
as identicações projetivas de uma maneira tolerável. A capacidade de
tolerância que o bebê terá em relação às frustrações dependerá tanto
de suas demandas instintivas inatas quanto da resposta da verdadeira
mãe externa.
Numa situação saudável, a mãe capaz de conter as ansiedades do seu
lho, ao mesmo tempo que fornece as necessidades básicas de sobre-
vivência, garantirá que as conquistas sejam positivas e que as negativas
sejam utilizadas para aprender com a experiência. Se, por outro lado, a
mãe falha, a criança, no desespero de não se sustentar diante dos ex-
cessos de carga negativa, intensica suas identicações projetivas não
decodicadas ou investidas pela mãe e as reintrojeta massivamente,
aumentando em seu frágil aparelho psíquico o fardo da angústia e a
vivência de elementos ruins e intrusivos. O sofrimento psicológico iria
confrontá-los com a experiência de um terror sem nome que, a longo
prazo, se torna um inibidor do crescimento7.
7 Una teoría del pensamiento – W. R. BION
Sonia Abadi (2014). En Teorías Psicológicas
2, Pilar
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Quando o bebê não reconhece a presença de um seio bom para des-
carregar suas identicações projetivas e, ao contrário, encontra um seio
ruim, ausente ou indisponível, que não se oferece como recipiente, mas
antes priva, persegue, e gera sofrimento, a experiência dolorosa é que
se trata de um seio que impede a aprendizagem da experiência. Se trata
de um seio que não pode reorganizar a carga da posição esquizopara-
nóide, o caos e que, portanto, não consegue transformar a matéria beta
em elementos em Alfa. Esses objetos não transformados acabam sen-
do invasivos e perturbadores; utilizam o outro como depósito de seus
estados mentais brutos, ou seja, não simbolizados. Sua função não é
colonizar o sujeito porque a identidade do depositário não é importante.
Sua função é garantir a presença de outra mente e/ou outro espaço que
possa receber, sustentar, conter os aspectos desorganizados e violentos
da própria mente. Essa fragilidade por parte da mãe determina que o
bebê se veja na necessidade de substituir seu aprendizado por uma pos-
se onipotente, perdendo assim as diferenças entre o que é verdadeiro e
o que é falso, o que é real e o que é imaginado, o afeto real e o afeto im-
posto, entre muitas outras diferenças. Pela hostilidade que transmitem,
o receptor os recebe como mísseis imprevisíveis e destrutivos (Williams,
2004). Se o receptor tentar repelir tais mísseis, a experiência invasiva
será exacerbada pelo poder da carga projetiva. Este circuito hostil au-
menta a interação patológica.
A natureza primitiva do salto de um objeto invasivo cria a experiência de
ter em seu interior um corpo estranho que destrói o espaço mental des-
tinado ao desenvolvimento da capacidade simbólica do Eu e, portanto,
do processo de pensamento secundário. O impacto do objeto invasivo
pode resultar num processo de pensamento traumático caracterizado
por confusão psíquica e estados de crescimento do Eu. O processo de
pensamento traumático é uma forma caótica que corresponde à forma
primária de pensamento (Williams, 2004).
A criança tem pouca capacidade para tolerar a frustração. Quando o
recém-nascido experimenta a frustração, sofre terrivelmente, porque
parece não ter m. O bebê projeta na mãe essa angústia innita para
que esta a sinta, o que não é o mesmo que a compreenda. Em geral,
ela reage rapidamente graças à solidez do devaneio e promove o en-
contro dos preconceitos do bebê com as realizações adequadas que
se repetem para que o crescimento se estabeleça em bases rmes. As
experiências emocionais resultantes das frustrações da onipotência do
bebê obrigam-no a voltar-se para o mundo real, como realizações. Na
realização positiva a conrmação de que o objeto está realmente pre-
sente e atende às suas necessidades. Se a mãe demonstrar capacidade
de conter e atender às ansiedades do bebê simultaneamente às necessi-
dades básicas, as realizações servirão para aprender com a experiência.
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Na realização negativa, pelo contrário, o bebê não encontra um seio dis-
ponível para satisfação, e essa ausência é vivenciada como presença de
um seio ausente; nesta perspectiva, qualquer objeto necessitado é sen-
tido como ruim porque a sua ausência provoca privação e sofrimento.
O objeto mau, invasivo e intrusivo participa da mente de diversas ma-
neiras: “num primeiro nível predomina a formação e presença integrada
de pensamentos, típica dos pacientes psicóticos e num segundo nível,
manifesta-se a integração dos pensamentos, mas com a persistência de
onipotência e alteração do julgamento da realidade” (pág.50).
Quando as realizações negativas são projetadas na mãe e não encon-
tram um recipiente para contê-las, elas serão reintrojetadas pelo bebê
na forma ameaçadora de terror sem nome. (Bion, 1962). Uma conse-
quência dolorosa, mas inevitável, é que as tentativas do bebê para evitar
a dor depressiva se tornam um importante fator de inibição do cresci-
mento psíquico” (Abadi, 1997, pág.51). Em outras palavras, quando o
bebê se depara com frustrações, desliga-se da sua onipotência original
(típica da fusão) e estabelece um conjunto de defesas que lhe permitem
desligar-se da dor da falta. Se a mãe falha, a criança intensica estas
identicações “que não servem para serem compreendidas e signi-
cadas com a ajuda da mãe. São massivamente reintrojetadas com o
resultado do aparecimento de um objeto interno destrutivo que impede
tanto dar quanto receber algo bom”
M. Mahler sustenta que a interação de comportamentos interativos en-
tre a mãe e seu lho inuenciará na formação da integração e da iden-
tidade do bebê. Durante as primeiras semanas de vida extrauterina, o
bebê encontra-se em estado de narcisismo absoluto, sem consciência
da presença de um agente materno: é a fase do autismo normal que
protege a criança através de uma “barreira de estímulos quase sólidos”,
uma “concha autista” que impede a entrada de estímulos (excessivos)
para manter a soberania do bebê. A autora arma que dos dois aos
seis meses o bebê sai da fase autista e consolida a “fase simbiótica”, um
período durante o qual a catexia libidinal passa da estimulação corporal
interoceptiva para estímulos proprioceptivos periféricos e exterocepti-
vos provenientes da superfície corporal. A interação entre o interior e o
exterior determina que a barreira estimulante se estenda para cobrir a
“órbita simbiótica da unidade dual mãe-lho”.
O vínculo simbiótico original admite um vínculo triangular (virtual) ine-
rente ao vínculo simbiótico bicorpóreo que se desenvolve entre a mãe
e o seu bebê. Cada um dos protagonistas de ligação deste triângulo
de gestação intrauterina decanta experiências somáticas, psíquicas e
mentais em relação ao acoplamento e ajuste recíproco entre todos os
seus membros. O pai não é um convidado de pedra na relação mãe/
bebê. Pelo contrário, tem uma presença ativa que contribui, desde o
início, para apoiar a mãe no seu papel de mãe e acompanhar a tran-
sição da díade fusional para relações objetais marcadas pelas capaci-
dades posteriores de separação e individuação (posição depressiva).
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O vínculo simbiótico separa o ego das lutas de suas diferentes ativida-
des defensivas que visam defender os antagonismos emocionais extre-
mos que ocorrem no âmbito da posição esquizoparanóide, que precede
a posição depressiva. Dentro do vínculo simbiótico ocorrem transfor-
mações que dão origem ao tecido psíquico de quem escreve sua própria
história e cujo desenvolvimento completo permite seu amadurecimento
gradual como sujeito discriminado por ambos os pais.
Por volta dos três meses, quando ainda prevalecem o narcisismo pri-
mário e a fase pré-histórica da onipotência alucinatória mágica, o bebê
percebe que a satisfação de sua necessidade biológica, a fome, vem de
fora. Apesar de ainda estar dentro da órbita dual simbiótica onipotente,
ele reconhece que o objeto de satisfação de sua necessidade vem de
fora. A associação necessidade biológica/satisfação “externa” dá origem
às primeiras demarcações do Eu corporal dentro da matriz simbiótica,
que se constituem como precursores da imagem corporal. A partir da
segunda metade da unidade simbiótica (três meses em diante), a psique
do bebê deveria se separar para constituir um indivíduo total com sua
própria unidade mental. Os dois primeiros trimestres ainda são fases
indiferenciadas: o primeiro sem objeto e o segundo, pré-objeto, pois,
embora se perceba que o seio não é uma extensão de si mesmo, o bebê
ainda não diferencia o exterior do interior e, nem, do outro. Em vez disso,
mãe e bebê estabelecem uma espécie de “fusão simbiótica” com a es-
perança de consolidar um limite comum em torno da órbita simbiótica.
Além disso, os primeiros seis meses evoluem, primeiro, ancorados na
fase autista normal e, depois, no caminho para uma relação simbiótica.
Estas duas fases (autismo normal e simbiose) são fundamentais para a
acomodação extrauterina do bebê, justamente porque são sustentadas
pela fusão.
Uma leitura integrada de alguns autores pós-freudianos permite-nos
concluir que os distúrbios alimentares são patologias de rejeição do
outro, de vinculação, de ataque à vinculação, de retirada para estados
simbióticos/fusionais primitivos que evidenciam a diculdade de viver.
Isto se deve a falhas primitivas seja com o meio ambiente, com a mãe
ambiental, com a primeira mãe. As falhas maternas levam o bebê a não
conseguir resolver a equação simbólica “mãe = alimento” e separar ade-
quadamente o seio que satisfaz a necessidade da mãe que o amamenta.
A confusão da mãe com a comida também ocorre devido à “não presen-
ça” de um pai que cuida da mãe e facilita a separação, a individuação,
a apropriação do corpo e a posse da sua mente. Crescer separado da
mãe, não fundido, não preso numa posição narcísica, permite à criança
desenvolver plenamente a sua capacidade de pensar e de ser criativa. A
partir de uma educação saudável e responsável, a criança crescerá com
um eu e um corpo integrados e uma mente organizada. A solidez do
seu psiquismo lhe garantirá uma vida plena, livre de conitos, mas com
recursos sucientes para superar as vicissitudes da realidade.
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