
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 15 (2), 2024, pp 109 - 123
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/15.2.9
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A operação de fechamento no narcisismo primário, portanto, não se dá
sem que haja intricamento pulsional, a pulsão de morte atua operando
o desligamento em relação ao objeto externo. Não se trata somente de
pulsão de vida ou de libido, é preciso considerar o papel da pulsão de
morte nesta operação potencialmente estruturante de espaço interno
ao sujeito, que poderá, a partir de então, ser e agir a partir de um centro
próprio. Quando essa operação não se estabelece sucientemente, o
sujeito opera nas fronteiras, descentrado de si mesmo.
Na clínica, isto se apresenta quando o conito não está no intrapsíquico,
mas se expressa no intersubjetivo, no que o outro fez. Segundo Candi
(2010), é quando vemos mais intensamente defesas como clivagens ou
identicação projetiva, ou, ainda, o negativo do trabalho do negativo,
com desinvestimentos, desobjetalização (função desobjetalizante13) e
narcisismo negativo (destrutividade)14. Nos chamados casos-limite ou
borderline, a destrutividade é protagonista. Para Candi (2010), são si-
tuações em que o enquadre analítico ca comprometido, onde a con-
tratransferência entra de forma intensa e onde o pensamento vivo do
analista é requisitado, quando o silêncio é vivido com sofrimento. O ana-
lista é demandado tanto afetivamente quanto corporalmente inclusive,
situações nas quais o papel do analista é a de se manter vivo e com
capacidade de pensamento.
E Gabriel?
Green sugeriu que a impossibilidade de determinados pacientes em escutar
o analista não se trata da resistência típica da neurose, nem de ataques aos
vínculos presentes nas psicoses (Bion), mas de destrutividade que se volta
essencialmente contra o funcionamento psíquico do sujeito, por meio de
evitação associativa na análise, e entendo que podemos estender também
para a capacidade de pensar de forma geral. Na posição fóbica central, a im-
possibilidade de escuta de si e do analista seria manifestação da negativida-
de no tratamento (“não consigo escutar”, “não sei”, “não lembro”), expressão
do trabalho do negativo em que haveria “alucinação negativa do sujeito por
ele mesmo” (Green, 2010, p.74). Vejamos um trecho em que a ideia foi mais
bem explicada:
o que é preciso levar em conta é o agrupamento dos diversos traumas evo-
cando-se uns aos outros, e em que o esforço do sujeito leva à denegação do
que eles podem mutuamente pôr em comunicação para a psiquê, porque
eles desenham menos uma evolução integradora do que assumem a forma
de uma persecução repetitiva, levando, no limite, à denegação da própria
realidade psíquica do sujeito ou da imagem que ele tem de si mesmo. Isso
explica que a posição fóbica esteja no centro da organização psíquica, con-
trolando, em cada circunstância, todas as vias que conduzem a isso assim
como todas aquelas que partem daí, porque o quadro formado obrigaria
o sujeito a reconhecer sua raiva, seu ciúme, e, mais do que tudo, sua des-
trutividade, forçando-o a se ver bem no fundo do desamparo, movido de-
fensivamente por uma onipotência que só pode se situar na transgressão,
ultrapassado por uma excitação sem m mobilizando uma energia de des-
espero. (Green, 2010a, p.75)
13 Função objetalizante e desobjetalizante
são construções do autor. Sobre a função
objetalizante:
Sugerimos a hipótese de que o objetivo
fundamental das pulsões de vida é
assegurar a função objetalizante. Isso não
signica apenas que seu papel seja o de
criar uma relação com o objeto (interno e
externo), mas também que ela se revele
capaz de transformar estruturas do objeto
(Green, 2010c, p.99).
Em seguida, sobre função desobjetalizante:
Inversamente, o objeto da pulsão de morte
é realizar, tanto quanto possível, uma
função desobjetalizante pelo desligamento.
Esta qualicação permite compreender que
não é somente a relação com o objeto que é
atacada, mas também todos os substitutos
deste – O Eu, por exemplo, e o fato mesmo
do investimento na medida em que ele
sofreu o processo de objetalização. (Green,
2010c, p.100)
14 Para completar esta descrição,
acrescento que propus distinguir um
narcisismo primário positivo (vinculável
a Eros), tendendo para a unidade e a
identidade, e um narcisismo primário
negativo (vinculável às pulsões de
destruição) que não se manifesta pelo
ódio ao objeto – este é perfeitamente
compatível com o reuxo do narcisismo
primário positivo – mas pela tendência do
Eu a desfazer sua unidade para tender a
zero. Isto se manifesta clinicamente pelo
sentimento de vazio (Green, 1988a, pp.266-
267)14 “Para completar esta descripción,
voy a acrecentar que propuse distinguir
un narcisismo primario positivo (vinculable
a Eros), que tiende hacia la unidad y la
identidad, y un narcisismo primario negativo
(vinculable a las pulsiones de destrucción),
que no se maniesta a través del odio al
objeto — este es perfectamente compatible
con el reujo del narcisismo primario
positivo — sino por la tendencia del Yo a
deshacer su unidad hacia el cero. Esto se
maniesta clínicamente por el sentimiento
de vacío” (Green, 1988a, pp. 266-267).