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NOTA DO EDITOR
NOTA
EDITORIAL
EDITOR`S NOTE
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Com a chegada do nal do ano de 2023, lançamos o segundo número do
volume XIV de
Intercambio Psicoanalítico
. A revista foi publicada após
o XII Congresso da Federação que ocorreu em Santiago, Chile, entre os
dias 13 e 15 de outubro passados. Aqueles que puderam participar vive-
ram isso com intensidade especial, retomando a presença física após a
pandemia, atentos a um programa variado sobre as transformações nes-
tes tempos de desmesura. Justamente à medida que o tema evoca incer-
tezas e ameaças, tornou-se mais relevante a oportunidade do encontro
fraterno. Os congressos da FLAPPSIP não apenas estimulam a produção
teórica e a troca de experiências clínicas, mas também serve como um
ponto de encontro entre diferentes associações, mantendo a uidez das
relações pessoais e federativas. Em última instância, a institucionalida-
de da Federação é uma expressão concreta de uma rede de relações
prossionais e humanas, cuja realidade se manifesta nos congressos e
que buscamos prolongar e manter também através de Intercambio Psi-
coanalítico.
Conforme previsto durante os congressos da Federação, realizou-se a
Assembleia de Delegados, que, entre outros assuntos, deveria eleger as
novas autoridades. A presidência durante o período de 2023 a 2025 será
exercida pela colega do Peru, Sara Oxenstein, membro da ADPP. O Co-
mitê Editorial da revista saúda a nova Presidenta e se coloca à disposição
para continuar o trabalho conjunto no papel que cabe às publicações.
Agradecemos também o apoio oferecido pela Diretoria anterior, presidi-
da por Marcela Ramírez, que impulsionou e sustentou decididamente o
trabalho desta revista.
Agora, vamos nos deter em uma breve introdução ao conteúdo desta
edição. Na seção de Artigos Cientícos, há sete trabalhos que abrangem
uma ampla gama de temas de preocupação para os psicanalistas e psi-
coterapeutas latino-americanos, especialmente em relação ao impacto
dos processos de tensão social e política na região, afetando nossos
povos. Os três primeiros trabalhos desta seção abordam questões da
psicanálise contemporâneo em aspectos institucionais e clínicos muito
relevantes.
M. Viñas reete sobre a ética na transmissão do corpus teórico-clínico
da disciplina, convidando a uma atitude de revisão crítica contínua das
práticas institucionais, sempre cercadas pelo risco de replicar modelos
de poder contraditórios ao potencial liberador da psicanálise.
M. Fucks propõe um jogo de palavras entre os termos “des-ilusão”, como
processo ativo de reexão sobre os alcances de uma psicanálise situa-
da historicamente, e “desilusão” como produto de expectativas infantis
inalcançáveis.
Da mesma forma, o trabalho de C. Braz Padrão realiza uma análise abran-
gente dos novos desaos que a psicanálise tem assumido, ampliando a
nosograa freudiana e ampliando o campo de sua indicação clínica. Isso
implica uma revisão dos vínculos terapêuticos, processo que a autora
associa à necessidade de considerar a terceiridade como conceito articu-
lador de relações clínicas mais adequadas à demanda atual.
Luis Correa Aydo
Diretor da Revista Intercambio
Psicoanalítico1
1 Traducción al portugués de Sthefani
Techera.
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Os quatro trabalhos que completam a seção estão imersos na proble-
mática clínica, embora com ênfases diferentes em cada um.
O artigo de C. Levin apresenta um caso permeado pela problemática
urgente da violência intrafamiliar. O contexto da pandemia que envolve
a história é abordado nas duas incidências que teve, tanto pelo agrava-
mento dos vínculos patológicos quanto pelo desao que representou o
trabalho terapêutico à distância, especialmente em casos tão sensíveis.
A contribuição de R. Tagliabue retoma um clássico da clínica infantil: a
chegada do irmão. Seu foco, além de expor teorias anteriores sobre o
tema, aponta com originalidade para o conceito de alteridade e sua co-
nexão com a ativação da pulsão epistemofílica.
O artigo de C. Baeza e J. Black aborda o espinhoso tema do autismo; um
assunto difícil devido aos desaos teóricos, clínicos e sociais que apre-
senta. A promulgação de uma lei regulatória no Chile que busca prote-
ger a inclusão, atenção integral e os direitos das pessoas com esse diag-
nóstico proporciona uma oportunidade para reetir sobre o impacto na
realidade - neste caso jurídica - que pode resultar da divulgação pública
de questões de saúde mental. As autoras também questionam o efeito
recursivo da lei, ou seja, como as mudanças legais e as novas condições
de convivência social que se procuram consagrar impactam a subjetivi-
dade das pessoas com autismo.
Fechando esta seção de Artigos Cientícos, temos a contribuição de L.
Soria, que, a propósito do quadro psicoterapêutico, discute o conceito
de “tocar” em suas diferentes acepções, desde o contato físico concreto
até seu sentido metafórico, ou seja, como afetação emocional.
Nas habituais seções de Direção de Pesquisas e de Entrevistas, o leitor
encontrará propostas muito enriquecedoras.
No caso das pesquisas, são apresentados os avanços das três linhas de
trabalho em desenvolvimento no âmbito da FLAPPSIP: Psicossomática,
Psicanálise e literatura infantil e adolescente, e Assexualidades. Como
mencionado na introdução geral aos três artigos, além da produção de
novos conhecimentos e da proposta de hipóteses inovadoras, esses es-
paços de trabalho coletivo são uma poderosa ferramenta de interco-
nexão entre as Associações. Além disso, como as antigas fotograas
que, durante o processo de revelação, mostravam aos poucos a imagem
capturada, os avanços da pesquisa também vão revelando, aos poucos,
alguns pers característicos de nossa região, como uma matriz subjeti-
vante.
Quanto às entrevistas, também temos uma entrega tripla e, neste caso,
compartilham diálogos com os palestrantes principais convidados para
o XII Congresso da FLAPPSIP: Franco Berardi, Alicia Stolkiner e Marcelo
Viñar. Três visões diferentes e, de certa forma, complementares, sobre
os desaos do momento. Os três autores, com trajetórias destacadas
por suas contribuições ao exame crítico de nossa época, oferecem um
mosaico de perspectivas sobre o funcionamento da nossa sociedade, o
passar do tempo nas diferentes fases da vida, as diferentes atitudes em
relação aos vínculos interpessoais, que vão desde a submissão à hospi
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talidade e, enm, um conjunto de reexões que desenham horizontes
por vezes sombrios e por vezes capazes de recuperar certa esperança
no futuro. No entanto, essa possibilidade de saída será possível na me-
dida em que certos valores hoje deslocados por um narcisismo tanáti-
co, individualista e globalizado possam ser reconstruídos em torno de
“pequenas comunidades autossucientes e frugais, que se des-territo-
rializam” (Berardi). Ou dito em nossa linguagem teórica, na medida em
que surgirem novas matrizes de subjetivação que não se limitem a re-
produzir o individualismo autossuciente que hoje preside as políticas
neocoloniais e extrativistas que tendem a perpetuar a desigualdade e a
injustiça. Participar dessa construção parece ser nossa modesta, mas
necessária, contribuição como psicanalistas latino-americanos.
Como um eco das ideias consideradas pelos entrevistados, a seção de
Resenhas de Livros oferece três propostas muito diferentes e, no entanto,
igualmente úteis para pensar criticamente nossa realidade. Em primei-
ro lugar, L. Coronel analisa um artigo de vários autores publicado pela
revista Calibán, sobre o negacionismo. Não deveria surpreender, após
mais de um século de psicanálise, que existam leituras da realidade con-
trárias aos dados da racionalidade e da evidência. No entanto, dada a
dimensão que o fenômeno adquiriu nas redes sociais e nos meios de
comunicação de massa, os riscos de alienação individual e coletiva que
surgem tornam necessário revisar o conceito de neutralidade, se os psi-
canalistas não querem ser meros espectadores do assalto às capacida-
des perceptivas e argumentativas do ser humano contemporâneo.
Por sua vez, M. E. Centeleghe oferece um resumo abrangente de um
livro de A. Tagle que revisita, com perspectiva atual e de maneira muito
abrangente, as contribuições teóricas de Winnicott. Entre outros aspec-
tos, a autora da resenha valoriza a teorização sobre a agressão como
uma realidade constitutiva do ser humano e as sugestões para seu ma-
nejo na clínica, especialmente com crianças e adolescentes, quando na
cultura atual as guras de contenção e suporte costumam estar ausen-
tes ou enfraquecidas.
Comentando um texto muito diferente dos anteriores, mas igualmente
aberto, a terceira resenha de R. Allegue recupera o valor da dimensão
coletiva e do esforço compartilhado na criação de uma institucionalida-
de psicanalítica que não esteja a serviço da suplementação narcisista e
da mera validação social, mas sim como um ambiente de mútuo apoio
e aprendizado criativo. O livro comentado, uma retrospectiva coletiva
dos quarenta anos da AUDEPP, convida a pensar na mútua implicação
da Psicanálise e da História, esforço semelhante ao que, em outra ex-
tensão, anima e conduz a marcha da própria FLAPPSIP.
Como dissemos no início desta nota editorial, a revista pretende ser
uma ferramenta de diálogo e aprendizado coletivo, contribuindo para
a construção de uma psicanálise com ênfase latino-americana. Espera-
mos ter conseguido, desta vez, contribuir para esse objetivo.