103 / FLAPPSIP
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
UNA LECTURA PSICOANALÍTICA
ACTUAL SOBRE LAS MIGRACIONES
DE PÚBERES Y ADOLESCENTES
HACIA Y EN ARGENTINA
A TRAVÉS DE OBRAS LITERARIAS DE
MARIA TERESA ANDRUETTO.
UMA LEITURA PSICANALÍTICA ATUAL DA
MIGRAÇÃO DE ADOLESCENTES E JOVENS PARA E
NA ARGENTINA ATRAVÉS DAS OBRAS LITERÁRIAS
DE MARIA TERESA ANDRUETTO.
A CURRENT PSYCHOANALYTIC READING ON THE
MIGRATIONS OF PUBERTAL AND ADOLESCENT
CHILDREN TO AND IN ARGENTINA THROUGH THE
LITERARY WORKS OF MARIA TERESA ANDRUETTO
Fabián Actis Caporale
Asociación Escuela Argentina de Psicoterapia para Graduados
ORCID: 0009-0004-7632-2150
Correo electrónico: factiscaporale@yahoo.com.ar
Liliana Diament
Asociación Escuela Argentina de Psicoterapia para Graduados
ORCID: 0009-0001-7807-9375
Correo electrónico: lilidiament@gmail.com
Para citar este artículo / Para citar este artigo / To reference this article
Actis Caporale F. Diament L. (2023) Una lectura psicoanalítica actual sobre las migraciones de
púberes y adolescentes hacia y en Argentina a través de obras literarias de Maria Teresa Andruetto.
Intercambio Psicoanalítico 14 (2), DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
Creative Commons Reconocimiento 4.0 Internacional (CC By 4.0)
104 / FLAPPSIP
Partir e permanecer sendo o mesmo.
Chegar e “não ser ninguém”.
Daniel Korinfeld -Experiências de exílio
Contexto histórico. A imigração na Argentina
Em “Imigración italiana na Argentina (1880/1930)” (Chaves, 2020), podemos
traçar as condições psicossociais da Itália do nal do século XIX e das primei-
ras décadas do século XX que explicariam os movimentos migratórios maci-
ços da Península Itálica para a nossa terra e que compreendem e personali-
zam, através de um relato literário, as vicissitudes da imigração adolescente
de Stefano e da sua posterior xação. Segundo Chaves (2020), os principais
factores económicos que atraíram a imigração ultramarina para a Argentina
foram o boom da lã, o desenvolvimento da industrialização e o avanço das
fronteiras agrícolas.
Associadas às questões políticas estão as leis nacionais de migração de 1853
e 1876 e o Preâmbulo da Constituição Argentina, que favorecem a integração
de comunidades estrangeiras no nosso solo; e ligadas às condições sociais,
reconhece-se que a absorção das massas migratórias italianas foi largamen-
te facilitada pelas instituições escolares que foram fundamentais para o pro-
cesso de “argentinização”. Neste sentido, devem ser considerados os facto-
res de expulsão na sociedade de origem (Itália) e de atração na Argentina, o
país de destino.
Diferentes estudos permitem-nos estabelecer um padrão que permite clas-
sicar os uxos de imigração nas categorias de “curta” ou “longa duração”
(incluindo os trabalhadores “andorinha” que tentam uma residência tempo-
rária para analisar as condições do destino e, em geral, regressam ao seu
local de origem); migração sem companhia (como no caso de Stefano) ou
com as suas famílias; e nova imigração.
As condições de expulsão dos países de origem também devem ser analisa-
das, o que pode explicar a imigração política (guerras e políticas de oposição),
UMA LEITURA PSICANALÍTICA ATUAL
DA MIGRAÇÃO DE ADOLESCENTES
E JOVENS PARA E NA ARGENTINA
ATRAVÉS DAS OBRAS LITERÁRIAS DE
MARIA TERESA ANDRUETTO.1
1 Este artigo apresenta o desenho de um projeto de investigação em curso no âmbito do espaço de investigação FLAPPSIP inaugurado em 2022,
sob a coordenação de Marta De Giusti.
Além dos autores a equipe de pesquisa é composta por:
José A. Cernadas Licenciado em Psicologia-Psicanalista, com especialização em Psicologia Clínica com enfoque na Infância e Adolescência.
Membro da Área da Infância e Adolescência da AEAPG. Professor do Seminário de Psicanálise e Saúde Mental do Mestrado da AEAPG.
Susana Mindez: Licenciada em Psicologia (UBA). Especializada em Psicanálise Infantil (UNLaM-AEAPG). Membro ativo da AEAPG. Membro da
área de Infância e Adolescência (AEAPG). Membro da direção da Sociedade. Argentina de Primeira de Infância (SAPI).
Abel Zanotto. Graduado em Psicologia (UBA) e Sociologia (UBA), ex-professor universitário. Membro do ciclo Psicanalistas em diálogo com as
artes. Membro da Área da Infância e Adolescência AEAPG
Fabian Actis Caporale2
Liliana Diament3
2 Fabián Actis Caporale. Licenciado
em Psicologia (UBA), Psicanalista.
Membro da AEAPG, Supervisor
do Centro Rascovsky. Antigo
membro da Comissão Cientíca,
Membro da Área Pensar a partir de
Winnicott. Coordenador da Área
de Infância e Adolescência (AEAPG)
factiscaporale@yahoo.com.ar;
Buenos Aires.
3Liliana Diament. Psicanalista.
Licenciada em Psicologia (UBA)
Membro ativo da AEAPG. Membro
de Psicoanalistas Dialogando com
as Artes, Coordenadora da Área de
Infância e Adolescência da AEAPG.
Supervisora do Centro Rascovsky
lilidiament@gmail.com; Buenos
Aires.
105 / FLAPPSIP
a imigração motivada por aspectos religiosos e condições internas (pogroms
e etnias ciganas) e causas económicas, geralmente devido à fome e a crises
agrícolas.
No entanto, Chaves alerta para as diculdades em estabelecer razões claras
para a expulsão, uma vez que as motivações mudam e não têm necessaria-
mente de ser individuais: tanto as crianças como os adolescentes são muitas
vezes levados pelas suas famílias a procurar um futuro melhor em locais fora
dos oceanos que têm certas semelhanças culturais com os países de expul-
são.
É de referir que o boom da imigração italiana - especialmente notável no pe-
ríodo de 1860/70 e no nal dos anos 30 - se deveu a causas especícas no lo-
cal de origem: diferentes reformas agrárias, especialmente na zona pobre do
sul de Itália, povoada maioritariamente por camponeses analfabetos, deixa-
ram importantes sectores da população desempregados e emigraram para
o norte de Itália, onde a industrialização começava a ter lugar.
Na nossa perspetiva, os processos migratórios, ao mesmo tempo que consti-
tuem uma procura de mudança na vida das pessoas, criam novos problemas
nos domínios da justiça, da saúde e das questões sociais. Algumas dessas
questões podem ser enumeradas como as diculdades e os desaos envol-
vidos no processo de integração na nova sociedade, com os seus costumes e
tradições, a resolução das diferenças culturais, a língua, o luto e a possibilida-
de de considerar novos projetos.
Como exemplo da inuência na saúde, podemos citar a chamada “Síndrome
de Ulisses”, também conhecida como “Síndrome do Migrante”, que se mani-
festa através de stress crónico e múltiplo. Trata-se de um forte desconforto
emocional vivido por pessoas que tiveram de deixar para trás o mundo que
conheciam devido a situações extremas. Trata-se de uma condição psicológi-
ca que interessa milhões de pessoas em todo o mundo, o que demonstra a
relevância do problema que estamos a tratar para a saúde mental.
Problematização da questão
Consideramos que o estudo e a investigação da subjetividade em adolescen-
tes e jovens migrantes - tanto numa perspetiva transgeracional como atual
- contribui para a compreensão psicanalítica da saúde mental de um grupo
etário que determina o futuro da comunidade argentina.
Tanto os adolescentes quanto os migrantes são grupos sociais que comparti-
lham as características de serem vulneráveis e de inuenciarem os rumos do
futuro do nosso país. Da mesma maneira, em tempos de predomínio da vio-
lência como forma de enfrentamento das diferenças, é necessário abordar
os diferentes espaços em que são construídas as representações do “outro”.
Sabemos também que o olhar do outro - embora não seja a única variável
- constitui um elemento fundamental no processo de construção da subje-
tividade, questão de grande relevância quando se trata de adolescentes e
migrantes, pois são grupos altamente vulneráveis em relação às decisões do
Estado e a outros fatores sociais de poder. Nesse sentido, a situação e o lugar
do imigrante como um “outro” é uma gura que muitas vezes recebe proje-
ções dos aspectos rejeitados e negados da própria subjetividade.
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
106 / FLAPPSIP
Portanto, trabalhar reexiva e argumentativamente a construção de uma vi-
são psicanalítica humanizadora do adolescente imigrante contribui para a re-
dução dos riscos de crescimento da violência e de seus aspectos destrutivos,
ao mesmo tempo em que pode fornecer ao imigrante elementos para uma
auto-percepção mais valorizada e menos estigmatizada.
Por sua vez, numa perspetiva mais ampla, podemos dizer que a noção de
“o outro” constitui uma outra forma de falar do inconsciente, daquilo que
num processo analítico o analisando procura constantemente poder “fazê-lo
seu”. Consideramos que na medida em que as barreiras entre o “próprio” e
o “estranho” são menos excludentes, as subjetividades daí resultantes serão
construídas com menos violência e destruição, dando lugar a uma complexi-
dade discursiva e relacional.
É do nosso interesse contribuir com novos elementos de juízo a partir da
psicanálise que contribuam para a revisão e geração de novas propostas que
melhorem a compreensão da subjetividade pubertária e adolescente em si-
tuação de migração.
Para o efeito, decidimos abordar - através da literatura como ponte - as ex-
periências dos adolescentes migrantes de primeira geração para podermos,
numa segunda instância, pensar em instrumentos ou ferramentas que lhes
permitam fazer parte do país que os recebeu.
Uma possível ponte entre a psicanálise e a literatura
No ensaio “Psicanálise e literatura: os monstros e os seus destinos” (Actis
Caporale, 2022), o autor, utilizando o paradigma psicanalítico winnicottia-
no, analisa um conto literário de Maurice Sendak intitulado “Onde vivem os
monstros”. O ensaio descreve como uma criança passa pelo processo de
desilusão e, acompanhada por uma gura materna solidária, constrói a “ca-
pacidade de estar só”. Trata-se de um ensaio em que a autora alia o para-
digma psicanalítico à análise de um conto infantil, demonstrando a sinergia
desta ação conjunta.
Na introdução de “Cadernos. Tópica. Literatura e Psicanálise” (Weisse 2020:
7-9) Weisse lembra que Freud aplicou o método psicanalítico a obras lite-
rárias contemporâneas - “O delírio e os Sonhos na Gradiva de W Jensen” de
1907 - bem como nas obras clássicas como “Dostoevsky e o Parricídio” (1928)
e “O homem da areia” (1919), obra de Homan que deu a Freud a possibi-
lidade de se introduzir no narcisismo, um dos temas capitais da psicanálise
clássica. Mas esclarece que “Freud não aplicou o método à literatura e
aos escritos autobiográcos” como também investiga e pesquisa a partir da
psicanálise sobre o mecanismo da criação em “O criador literário e a fanta-
sia” (1908), centrando-se na relação “entre a literatura e as fantasias”. Sob
este cunho freudiano, propomos - através dos livros de Andruetto - alargar a
problemática do migratório nos adolescentes. No prefácio do romance “Ste-
fano”, a autora assinala que escreveu sobre a imigração do seu pai da Europa
para a Argentina, mas a entender que atualmente se verica um fenó-
meno inverso de imigração de jovens argentinos instruídos para a Europa.
Poder-se-ia pensar, então, que esta pesquisa poderia lançar luz sobre alguns
aspectos psicossociais relacionados com os actuais uxos migratórios,
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
107 / FLAPPSIP
fornecendo e/ou ampliando o conhecimento existente para acompanhar os
conituosos e dolorosos processos intra, inter e trans-subjetivos que se en-
trelaçam entre os imigrantes, os grupos familiares e a comunidade de expul-
são e adoção. Interessa-nos, nesta pesquisa, abrir a possibilidade de pensar
a migração como espaço de construção de um pólo vitalizador na luta do
homem contemporâneo para sustentar um espaço de narração, autoridade
e “experiência”, como diz Giorgio Agamben: “O homem contemporâneo foi
expropriado da experiência: ao contrário, a incapacidade de ter e transmitir
experiências é talvez um dos poucos dados certos que ele tem sobre si mes-
mo”. (Agamben, 2004, p. 8).
Objetivo
Interessa-nos analisar, nas personagens dos romances de Andruetto “El país
de Juan¨, “Stefano” e “Aldao”, a subjetividade pubertária e adolescente em
situação de migração, a m de diferenciar os factores que conduziriam a im-
pactos psíquicos traumáticos daqueles que reforçam uma dinâmica psíquica
subjectivada que pode ser transformada em “experiência”. Ao mesmo tem-
po, abordaremos a distinção entre as experiências de nostalgia e melancolia;
e as de sofrimento e trauma.
Perguntamo-nos se a obtenção de um registo de angústia e de sofrimento
face ao sofrimento psíquico poderá constituir uma abordagem à construção
de uma “experiência” a partir da qual seja possível viver a migração como um
projeto de vida especíco sem que esta se torne um trauma psíquico.
Pressupostos hipotéticos
Desenvolveremos a ideia de que tanto em “Stéfano” como em “O país de
João” as personagens conseguem construir um certo grau de experiência.
Com base nestas histórias, conjecturamos que a migração adolescente, no
quadro das tensões das polaridades nostalgia-melancolia e sofrimento-trau-
ma, pode ter capacidade elaborativa suciente para se inclinar para a nos-
talgia1 e para o sofrimento, ambos entendidos como termos que favorecem
uma maior elaboração subjetiva.
1 O Dicionário Etimológico de Corominas
(1976: 416) refere que o conceito de
“nostalgia” (“sentimento de pesar pelo
afastamento, ausência ou perda de
alguém ou de algo querido”) é uma “voz
internacional criada por J. Hofer em
1688 para designar o desejo doloroso de
regressar”. O psicanalista Braunstein (2012)
arma que “a psicanálise foi construída em
torno da ideia de trauma psíquico e seus
destinos”. E esclarece que “isso levou ao
esquecimento do outro polo da memória
que é a nostalgia, o gozo da memória
agarrado à perda e à ausência - heemweh -
e a tentativa de recuperar o que foi perdido
questionando que o tempo é irreversível”
(p. 2).
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
108 / FLAPPSIP
Consideramos que esta capacidade elaborativa está fortemente ligada à ca-
pacidade narrativa que é possível desenvolver na construção de uma histó-
ria. É esta capacidade narrativa e a sua heterogeneidade que colocamos no
centro do processo subjetivo adolescente que conduz à realização da expe-
riência. Nestes casos, a migração age como uma forma de resolver a situa-
ção traumática, permitindo pensar numa saída para “outro lugar” onde pode
acontecer que o trauma se resolva a partir da esperança de sair do estado de
“falta de ajuda” para o “espaço” que permite a sobrevivência, dando origem a
uma continuidade existencial.
Quadro conceitual
Em relação à forma como concebemos a utilização da noção de “experiência”
no quadro da exploração da subjetividade adolescente, citaremos G. Agam-
ben quando diz
“O homem moderno regressa a casa ao m da tarde, exausto por uma ava-
lanche de acontecimentos... sem que nenhum deles tenha sido convertido
em experiência. Esta incapacidade de se traduzir em experiência é o que tor-
na a existência quotidiana hoje insuportável - como nunca antes... Porque a
experiência não tem o seu correlato necessário no conhecimento, mas na
autoridade, isto é, nas palavras e nas histórias”. (2004, p. 8)
A seguir, deniremos sinteticamente as categorias que compõem a nossa
abordagem teórica: adolescência, luto, experiência, nostalgia e melancolia,
trauma e sofrimento psíquico.
Adolescência
Interessa-nos pensar a adolescência como uma experiência de subjetivida-
de em que os processos psíquicos se produzem no quadro das relações de
uma determinada época, em que os contextos sócio-políticos e culturais
determinam a construção de novas subjetividades e relações sociais. Refe-
rimo-nos, então, a uma etapa vital cujas características e modalidades são
dinamicamente construídas em chave histórico-social.
Consideramos, então, a adolescência como um período entre a infância e a
idade adulta, durante o qual se completa a maturidade biológica, um corpo
em mudança, em busca de uma vida sexual ativa.
Luto e melancolia
O luto é um trabalho, um processo simbólico, intrapsíquico, de desprendi-
mento lento e doloroso de um objeto que foi catado, o que implica uma reor-
denação representacional. É a elaboração psíquica do estatuto de um objeto
que se tornou ausente. Neste sentido, é humanizante e enriquecedor para
a alma. Por outro lado, a melancolia é precisamente a evidência do fracasso
desta simbolização. Freud, em Luto e Melancolia (1915/17), pergunta porque
é que este trabalho é tão doloroso. No processo normal do luto, cada uma
das recordações e esperanças que constituem um ponto de ligação da libido
com o objeto é sucessivamente despertada e sobrecarregada, e a subtração
da libido realiza-se nela. É o encontro com a realidade que impõe a cada uma
das memórias e esperanças que constituem um ponto de ligação da libido
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
109 / FLAPPSIP
com o objeto, o seu veredito de que esse objeto já não existe. E o ego, con-
frontado com a questão de saber se quer partilhar um tal destino, decide,
sob a inuência das satisfações narcísicas da vida, cortar a sua ligação com
o objeto abolido. Podemos, pois, supor que essa separação se efectua de
forma tão lenta e gradual que, quando chega ao m, já esgotou o dispêndio
de energia necessário para tal tarefa.
Sofrimento e traumas psicológicos
Consideramos valiosas as contribuições da Dra. Marie Rose Moro (Moro,
2016).
a partir dos conceitos da clínica transcultural que contribuem para a com-
preensão e abordagem terapêutica do sofrimento psíquico sofrido pelas fa-
mílias em processo de migração que passam por um luto difícil. A partir desta
abordagem, o que deixa uma marca profunda é o ataque ao seu sistema de
crenças. A cultura e as “defesas culturais” especícas da cultura são adquiri-
das no decurso do desenvolvimento e constituem uma espécie de “matriz”
para nos protegermos e podermos conar no ambiente como um lugar se-
guro e possível. Estes acontecimentos, como as migrações forçadas, podem
varrer e desmantelar as defesas culturais construídas ao longo de gerações.
O “trauma sem sentido”, como refere o autor, deve-se à perda do quadro
cultural interno a partir do qual a realidade externa é descodicada, tanto no
trauma individual como no coletivo. As dimensões cognitivas e culturais são
interessadas e as categorias culturais deixam de ser ecazes para proporcio-
nar antecipação e conforto.
As contribuições de Winnicott (Winnicott, 1999) também são valiosas para
esta investigação. Em particular, os conceitos de conança no ambiente e de
trauma. Ele aponta que, em alguns adultos, o medo do colapso ou o medo
da angústia já ocorreu, mas num momento do desenvolvimento em que eu
não era capaz de senti-lo. O conceito de trauma varia consoante a fase de
desenvolvimento da criança, que transita da dependência absoluta para a
dependência relativa. Daí a importância da proteção do referente adulto ao
longo do desenvolvimento da criança e sobretudo em situações potencial-
mente traumáticas.
Consideramos que nas polaridades nostalgia-melancolia e sofrimento-trauma
psíquico são evidentes as possibilidades de maior elaboração psíquica (nos-
talgia, sofrimento), em oposição a subjectividades com menor complexidade
psíquica (melancolia, trauma psíquico). A diferença está na possibilidade de
desenvolver uma narrativa e construir uma história que alcance uma expe-
riência winnicottiana.
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
110 / FLAPPSIP
Decisões metodológicas
Como fontes e unidades de análise, utilizaremos três romances curtos da
escritora argentina María Teresa Andruetto, intitulados “No país de João” e
“Stefano¨. Consideramos que a autora tem uma ligação intensa com a Ar-
gentina e a imigração italiana que atravessa grande parte da sua obra, que
por sua vez está ligada à sua história pessoal e à do seu pai. Esta ligação
engloba a procura de um projeto de vida e o questionamento da identida-
de, bem como as lágrimas emocionais que a acompanham. Estas questões
são alguns dos eixos mais relevantes sobre os quais se debruça a sua obra.
Além disso, ambas as histórias - publicadas em 2003 e 2004, respetivamente
- constituem uma pintura de uma perspetiva subjetivo-ccional da época de
uma das maiores crises económicas e sociais da Argentina, em 2001.
Quanto aos textos escolhidos, cada um oferece um panorama ccional e re-
presentativo das questões migratórias que nos interessam investigar. “Stefa-
no” fala-nos da imigração italiana, enquanto “No país de João” relata as vicis-
situdes de um jovem adolescente e da sua família numa migração interna na
Argentina, tendo como eixo o chamado “interior” do país e a “cidade”.
Nos casos estudados, manifestam-se dois modos de migração. Por um lado,
a migração para outro país, baseada na experiência de outros jovens da al-
deia que emigraram com o mesmo destino, fugindo da fome que os assola-
va, na esperança de encontrar a abundância que os zesse sair do estado de
fome em que se encontravam. Por outro lado, no romance “Aldão” do mes-
mo autor, trata-se de “insílio”, uma noção que alude ao estado de ser forçado
ao silêncio e à impotência dentro do próprio país.
Pensámos em tomar duas fases nesta investigação: a puberdade e a ado-
lescência, considerando “Stefano” como um púbere no início (tinha 12 anos
quando disse à mãe que queria partir), enquanto em “Aldão” o protagonista
no início é um adolescente. Especicamos estas idades nas suas caracterís-
ticas particulares e tentamos ver a própria história como acompanhando
a busca necessária do adolescente na sua transição para a adolescência,
passando pelas vicissitudes envolvidas na aventura de tomar conta do seu
próprio destino.
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/
111 / FLAPPSIP
Bibliograa
Actis Caporale, F. (2023). “Psicanálise
e literatura. Os monstros e seus
destinos” recuperado de: https://www.
actualidadpsicologica.com
Agamben, G. (2004). Infância e história.
Destruição da experiência e origem da história.
Adriana Hidalgo editora.
Andruetto, M. T. (2012). Stefano. Editorial
Sudamericana.
Andruetto, M. T. (2018). El país de Juan. Ed.
Sudamericana Infantil.
Andruetto, M. T. (2023). Aldão. Random
House.
Braunstein, N. (2012). “Diálogo com a
nostalgia”. Recuperado de https://revistas.
unal.edu.co/index.php/jardin/article/
view/27216
Chaves C. (2020). Imigração italiana na Argentina. 1880 / 1930. Universidade de Barcelona.
Corominas, J (1976).Breve dicionário etimológico da língua castelhana. Gredos.
Freud, S. (1915 [1917]). Luto e Melancolia, Obras Completas (Vol. 2). Biblioteca Nova.
Hornstein, L., (2006) “Depressões, afetos e modos de viver”, recuperado de: https://www.
elpsicoanalisis.org.ar/old/numero5/comentariodeprehornstein5.htm
Korinfeld, D. (2008). Experiências de exílio. Questões subjetivas de jóvens militantes argentinos
durante a década ol 70. Do Estante Editor.
Moro, Marie Rose, (2016). ¨Perder a confiança fundamental na vida. Marcas traumáticas em
bebés e crianças.” https://www.temasdepsicoanalisis.org/wp-content/uploads/2017/05/MARIE-
ROSE-MORO.-Huellas-traumáticas-ontológicas-em-bebês-e-em-crianças.pdf
Villalba, Galia Ospina (2016) “Entrevista com María Teresa Andruetto”. Recuperado de : https://
revistababar.com/wp/entrevista-a-maria-teresa-andruetto/
Weisse, C. (2020). Tema. Literatura e Psicanálise. Edições RV.
Winnicott, W, ( 1999). Escritos sobre pediatria e psicanálise. Paidós.
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 103 - 113
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 9/