139 / FLAPPSIP
INTERCAMBIO PSICOANALÍTICO, 14 (2), 2023, pp 139 - 147
ISSN 2815-6994 (en linea) DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 13/
CON MARCELO VIÑAR:
“VIVIR LA VIDA VALE LA PENA…
PERO… SERÍA TERRIBLE QUE EL
HOMBRE FUERA INMORTAL”
COM MARCELO VIÑAR:
“VIVER A VIDA VALE A PENA... MAS... SERIA
TERRÍVEL SE O HOMEM FOSSE IMORTAL”
WITH MARCELO VIÑAR:
“LIVING LIFE IS WORTH LIVING... BUT... IT WOULD
BE TERRIBLE IF HUMANS WERE IMMORTAL.”
Jorge Gorriti
Centro de Psicoterapia Psicoanalítica de Lima
ORCID: 0000-0002-8467-2861
Correo electrónico: jgorriti@yahoo.com
Lourdes Schutte
Centro de Psicoterapia Psicoanalítica de Lima
ORCID: 0009-0004-3978-2465
Correo electrónico: schutte1608@gmail.com
Helena Albuquerque
Instituto Sedes Sapientiae
ORCID: 0009-0008-4167-8973
Correo electrónico: hmfreirema@gmail.com
Vânia Fabossi Paschotto
Instituto Sedes Sapientiae
ORCID: 0009-0005-9037-7542
Correo electrónico: vaniafabossi@gmail.com
Para citar este artículo / Para citar este artigo / To reference this article
Gorriti j. Schutte L. Albuquerque H. Fabossi Paschotto V. (2023) ENTREVISTA MARCELO VIÑAR:
“VIVIR LA VIDA VALE LA PENA… PERO… SERÍA TERRIBLE QUE EL HOMBRE FUERA INMORTAL”
Intercambio Psicoanalítico 14 (2), DOI: doi.org/10.60139/InterPsic/14.2. 12/
Creative Commons Reconocimiento 4.0 Internacional (CC By 4.0)
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Esta entrevista foi realizada em 14 de outubro de 2023 no contexto do
XII Congresso da FLAPPSIP, que ocorreu em Santiago do Chile em outu-
bro de 2023. Marcelo Viñar, Doutor em Medicina e Psicanalista, nascido
em 1937 no Uruguai, possui uma vasta trajetória e foi um dos palestran-
tes principais do referido Congresso. Embora sua apresentação tenha
sido sobre a adolescência, optamos por conversar com ele sobre outra
etapa da vida.
A entrevista foi preparada de forma colaborativa pelos membros das
equipes de Idosos do Centro de Psicoterapia Psicanalítica de Lima (CPPL)
e do Grupo de Trabalho sobre o Envelhecimento do Departamento de
Psicanálise – de SEDES.
Jorge Gorriti com Lourdes Schutte pelo CPPL e Helena Albuquerque com
Vânia Paschotto por SEDES, participaram do diálogo com o entrevistado.
CPPL: Começamos agradecendo esta oportunidade de diálogo. Ambas
instituições têm uma linha de reexão sobre o idoso e coincidimos em
um tema que é recorrente em nossa clínica, nos referimos à aposenta-
doria, ao momento da aposentadoria. Podemos concebê-lo como um
acontecimento crítico no percurso psíquico de nossa vida?
Marcelo Viñar: Bem, poderia tomar 24 horas para dar uma resposta ade-
quada à profundidade da pergunta. Ninguém resolveu ainda o tema da
mortalidade, cada um tem sua história, às vezes explícita e outras implí-
citas, às vezes pertinente, às vezes impertinente. A vida é imprevisível, e
eu me pergunto como eu teria me posicionado diante do horizonte da
morte aos 10 anos, aos 20, aos 50 ou aos 100. Para abrir o tema desta
conversa, vou evocar duas memórias.
Uma está relacionada ao meu pai, que viveu até os oitenta e tantos anos.
Quando ele tinha 70 anos, uma amiga lhe fez a mesma pergunta sobre
como ele se sentia com a aposentadoria. Ele respondeu mais ou menos
o seguinte: que sentia que seus 70 anos eram um momento glorioso,
porque ele era um milionário em experiências, um milionário em me-
mórias e evocações. Ou seja, ele transformou a pergunta que o polari-
zava ou que o colocava em um lugar de dor em um lugar de celebração,
de festa.
COM MARCELO VIÑAR:
“VIVER A VIDA VALE A PENA...
MAS... SERIA TERRÍVEL
SE O HOMEM FOSSE IMORTAL
Jorge Gorriti1
Lourdes Schutte2
1 Jorge Gorriti é licenciado em Economia
pela Pontifícia Universidade Católica
do Peru, psicoterapeuta psicanalítico
formado pelo CPPL; membro do Grupo
de Idosos do CPPL. Participante em duas
pesquisas coletivas do Departamento de
Pesquisa e Publicações do CPPL: “Práticas
clínicas durante a pandemia” em 2021
e “O cuidado do analista em formação:
a experiência da tutoria em grupo para
formandos em psicoterapia psicanalítica”
em 2022. Autor dos seguintes artigos:
O pensamento paradoxal de Winnicott,
publicado na Revista Intercambio
Psicoanalítico da FLAPPSIP, Número 1,
Volume XI - 2021; e Da morte de Deus à
morte do Homem. O Sujeito: constituído
ou constituinte?, publicado no Número
6 da Revista de Filosoa Metanoia da
Universidade Antonio Ruiz de Montoya,
em 2021.
2 Lourdes Schutte é licenciada em
Recursos Humanos. Terapeuta
Psicanalítica do CPPL. Membro do
Departamento Freud e integrante do
Grupo de Idosos do CPPL. Participante
na pesquisa coletiva do Departamento de
Pesquisa e Publicações do CPPL: “Práticas
clínicas durante a pandemia”, 2021.
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Ele disse o que - se formos honestos - diríamos; isto é: que também vale
a pena viver a vida. Por quê? Bem, eu não sei. Porque hoje comi um
peixe delicioso, por exemplo, coisas tão triviais.
E no extremo oposto, tenho dois netos com quem compartilho tempo.
Agora..., vocês viram meu corpo, que está em declínio; tenho que usar
aparelhos auditivos e preciso usar uma bengala por causa da artrose
no meu joelho; isso me incomoda muito, são doenças que não matam,
mas que incomodam e envergonham. Vocês não sabem a vergonha
que sinto ao mancar na frente das mulheres bonitas que estão neste
Congresso.
E o que eu lhes conto sobre meu corpo eu o estabeleço com a expe-
riência de convivência com meus netos. Tenho um mais velho de 13
anos com quem tudo vai bem, mas observo a rejeição do meu neto mais
novo, que tinha diculdade de se aproximar de mim; ele conseguiu
isso aos seus cinco anos. E eu tenho a percepção de que esse neto
tem um pré-conhecimento sobre a morte que é muito precoce. Que da
vida e do erotismo positivo e negativo há um pré-conhecimento que as
crianças têm muito cedo ou vivenciam isso. E se alguém faz um esforço
para conversar com o travesseiro e começa a lembrar, pode evocar que
o medo de morrer, ou de car sozinho, surge muito cedo e abre capítu-
los muito diferentes. Claro, isso também dependerá das vivências.
CPPL: Certo, o sentimento daquele que se aposenta dependerá de suas
experiências e de um horizonte particular, no qual o transcurso do tem-
po nos confronta com o declínio e a iminência da morte, o que por si só
pode ser doloroso; no entanto, em sua raiz latina, iubilare signica grito
de alegria.
Marcelo Viñar: E em espanhol e português é júbilo, jubileu. Bem, é agra-
dável ter um certo tempo; pois antes, estávamos presos ao trabalho,
atendendo pacientes, pensando no próximo encontro ou congresso;
claro, isso é uma libertação. É uma verdade parcial o que se diz sobre o
júbilo. Agora, temos outra liberdade.
Helena Albuquerque1
Vânia Fabossi Paschotto2
1 Helena M. F. M. Albuquerque é
psicanalista, membro do Departamento
de Psicanálise do Instituto Sedes
Sapientiae, integrante do Grupo de
Trabalho sobre o Envelhecimento e do
Grupo de Apoio FLAPPSIP. Mestre em
Psicologia Escolar e Desenvolvimento
Humano pelo Instituto de Psicologia da
USP.
Co-autora dos artigos Ser ou não ser
feminista, publicado em São Paulo pelo
Instituto Sedes e editora Zagodoni, 2022,
e Menopausa em movimento, em Corpos,
sexualidades, diversidade, publicado em
São Paulo pelo Instituto Sedes: Escuta
editora, 2016.
2 Vânia Fabossi Paschotto é psicanalista,
membro do departamento de Psicanálise
do Instituto SEDES, e integrante do Grupo
de Trabalho sobre Envelhecimento.
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Claro, agora é preciso deixar os casos sérios, procurar jovens impetuo-
sos para assumir a responsabilidade. E, se tivermos sorte, esse jovem
que recebeu o paciente nos pede supervisão. Não há motivo, mas pode
ocorrer até níveis muito maosos de causalidade circular. Eu te envio,
você me envia.
Mas, a faceta do envelhecimento que você destacou é a do trabalho, a do
prazer. Por exemplo, Freud trabalhou até a noite de sua morte, defen-
dendo seu agnosticismo diante de um acadêmico de Oxford, discutindo
sobre a existência de Deus. Freud como ateu agnóstico e o professor de
Oxford como crente. Enquanto isso, a Inglaterra, simultaneamente, de-
clarava guerra a um Hitler vitorioso, a um Hitler avassalador que estava
arrasando tudo.
Ou seja, essa questão de posicionamento nesse momento da vida é
muito pessoal: aos 60 anos, eu estava bem; aos 70, estava bem, com
minhas capacidades intelectuais intactas, mas agora percebo o declínio,
porque ouço mal, perco os nomes próprios: é o declínio das funções
vitais, o corpo que vacila; mas varia muito de uma pessoa para outra.
Isso também determina que todos os relacionamentos amorosos, con-
jugais, fraternos, tenham uma gama de diversidade. É diferente quando
precisamos olhar para isso a partir do exame individual, da diversidade
de cada pessoa, do que quando o fazemos como um problema global
da sociedade humana.
Porque são os progressos do século XX e a aceleração das mudanças
de riqueza que fazem com que um sistema de aposentadoria se desgas-
te. Assim, o fundamento teórico dos fundos de aposentadoria em meu
país era calculado com base em nove anos de pagamento; ou seja, trin-
ta anos de contribuições e nove anos de pensão, reunindo um capital
equivalente aos trinta anos de contribuições. Agora isso mudou; estou
recebendo a aposentadoria há pouco mais de vinte anos. Ou seja, eu
também me sinto um ladrão desses fundos, cujos recursos foram calcu-
lados para as gerações futuras.
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E a discussão sobre quanto tempo alguém pode trabalhar plenamente
é tão diversa. Um cirurgião oftalmológico, ou um cirurgião em geral, tem
que se aposentar compulsoriamente. Eu tenho que decidir cada vez, se
vem um jovem psicólogo, um jovem antropólogo, um jovem médico pe-
dir uma análise de formação (não gosto do termo didático), vem com o
sintoma de que quer ser psicanalista, como uma colega dizia, eu digo
que não posso aceitar. Que não posso aceitar porque isso, um compro-
misso analítico, implica um compromisso com o compatriota, com o ci-
dadão, até que passem tantos anos.
Como dizia um mestre, a quem convidei para falar em um congresso:
“Mas você está convidando um homem de noventa anos!’’. E isso foi
exatamente o que eu disse agora para Marcela [Ramírez], minha xará,
quando ela me falou há seis, oito meses, para vir a este Congresso. Eu
disse a ela, porque ela viu minha identidade e sabia minha idade: “Mas
você está correndo o risco de que, quando o evento acontecer, eu já não
esteja mais aqui’’.
Essa proximidade com a morte - ou será que estou mentindo para mim
mesmo? -, não me assusta, apesar de eu não acreditar na vida pós-mor-
te.
SEDES: Quero fazer uma pergunta sobre a questão do tempo. Você diz
que a experiência vivencial do tempo na adolescência está muito trans-
formada, e a experiência vivencial do tempo na aposentadoria também
se modica muito, não é? Com a perspectiva da morte...
Marcelo Viñar: Exatamente, exatamente. O que me assusta é a limita-
ção dos recursos para prolongar adequadamente a sobrevida. E o furor
curandis também é um agravante desse medo da morte. É diferente
morrer em um ataque de 24 horas do que ir se deteriorando lentamen-
te em um câncer com fases difíceis. Os acordos sobre a eutanásia são
complicados. Os métodos paliativos existem, mas não são sucientes, e
é preciso recorrer à ilegalidade, é preciso colocar em risco o direito de
morrer com dignidade.
Não sou o único que pensa assim, metade da população pensa, mas
também veem como ali surge o funil de muitos abusos, de muitas psi-
copatias, que podem acelerar uma morte para se aproveitar dos bens.
No sei o que mais dizer.
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CPPL: Há algo que é certo, e é que na nossa área, os psicoterapeutas
geralmente continuam ativos após os 60, 65, 70 anos; ao contrário de
outras prossões em que as pessoas geralmente estão se aposentando
aos 60, 65 anos. Como nos conectamos com nossos pacientes que estão
passando por esse processo de declínio, muitas vezes tendo quase a
mesma idade que nós?
Marcelo Viñar: Muitas vezes... bem, parece-me que em todas as idades e
especialmente na velhice, a coincidência de idades nos obriga a estudar
ansiedades comuns. É como nadar. Para nadar, é preciso calcular que
a capacidade de nadar aos 30 é diferente da capacidade aos 40, ou aos
50. E é preciso entrar juntos em uma piscina onde você tenha certeza de
que vai chegar até o outro lado.
Mas acredito que devemos considerar a necessidade de abordar os te-
mas comuns, os assuntos que afetam tanto o terapeuta quanto o pa-
ciente. É diferente viver em uma ditadura do que em uma democracia.
É diferente ser de classe média do que ser de classe pobre, ultra pobre
ou ultra rico. Em outras palavras, esse momento de coincidência de ida-
de é uma simplicação de várias facetas, de vários caracteres que nos
afetam igualmente. Assim, o risco de ter câncer nos afeta a ambos. Po-
demos traçar previsões, mas individualmente considerado, cada um é
uma unidade em uma curva de Gauss, de distribuição.
Toda mulher tem risco de câncer de mama, todos nós temos risco de
câncer de pele, câncer de bexiga ou câncer de próstata, que são os cân-
ceres menos tratáveis ou menos adequadamente tratáveis. Mas é aí
que o direito à vontade antecipada deve prevalecer. A discussão se torna
abstrata quando se pergunta a quem cabe conceder a vida. Os crentes
dizem que é Deus; os agnósticos - ou talvez possamos ser deístas - acre-
ditamos que cada um decide por si mesmo, que não sabemos, que a
vida é incrível e não sabemos como foi criada, e que é uma prepotência
mágica pensar que podemos saber, a longo prazo, os efeitos de sermos
mortais como um mandato divino.
Eu estou pronto para ir embora. Estou mais preocupado com o luto dos
meus lhos e netos; porque eu sempre penso que na vida a primeira
unidade é o relacionamento familiar; é a minha história. Minha história
é a preocupação de uma família que se desdobra em cinco gerações,
duas em direção aos antepassados e outras duas em direção à descen-
dência; o indivíduo está no centro delas. O lho é reconhecido e o neto
é reconhecido. Já do bisavô se sabe muito menos. Acredito que nessas
cinco gerações se joga a sequela identicatória do diálogo interior.
E são as identicações dessa família, mas também as do núcleo psicos-
social, o da família de adoção: como nos dói a morte dos amigos que-
ridos, muitas vezes mais do que a dos irmãos de sangue, coisa que é
desagradável de dizer, mas que acontece; porque os afetos...
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CPPL: Dor, luto... A aposentadoria é luto, dor? Eu estava pensando no
sentimento de término, de perda. Aquele momento em que as pessoas
de repente passam de um estado ativo em um ambiente de trabalho
onde são reconhecidas, apreciadas, para deixar para trás todos esses
espaços que alimentavam seu narcisismo.
Marcelo Viñar: Eu aprendi isso de um grande autor que dizia: “A tristeza
não tem m, as felicidades sim”. Os tempos pelos quais medimos a dor
são muito mais tangíveis do que os vividos na alegria, que sempre é pas-
sageira. O equilíbrio entre o otimismo e o masoquismo é um pêndulo
irregular. Estamos sempre perto do medo de perder a felicidade. E não
de aproveitá-la.
Então, digamos, não é tanto alegria, embora possa ser, como é aposen-
tadoria, paralisação, descanso; ser aposentado é depender, digamos, de
uma pensão à qual se tem direito. Mas se a vida se prolonga, de repente
começa a se sentir que, como eu disse, está tirando dinheiro de alguém.
E também surgem patologias. No nal, investe-se mais na saúde dos
idosos do que na saúde das crianças. A complexidade da medicina du-
rante o século XX prolongou a vida, a média de vida, ampliou a previsão
de sobrevida, como é que se chama?... bem, não me lembro... ah, a ex-
pectativa de vida! Agora, estamos nos aproximando do próximo século.
Se não forem tomadas medidas, isso vai causar problemas, devido ao
custo para a população que chega a essa idade. Sabemos que se gasta
mais no último ano de vida do que nos anos anteriores. Normalmen-
te, alguém pode passar toda a vida lidando com doenças triviais. Por
isso, nos chocou terrivelmente o caso da COVID-19, que não foi trivial,
enquanto na Idade Média a peste negra, a cólera, levavam metade da
humanidade viva. A adoção da perspectiva, de qual ângulo estamos ob-
servando o envelhecimento, é muito diversa.
Antigamente, aceitar a morte era um ritual: o doente na cama e as des-
pedidas, isso é como um luto antecipado de despedida; rapidamente,
virava-se a página. E como diz Borges: “eu vou morrer no dia em que o
último humano me chamar pelo meu nome”.
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SEDES: Essa é a perspectiva moderna de encarar a morte como um fra-
casso e não como algo inevitável?
Marcelo Viñar: Exatamente.
CPPL: E como você mencionou, Marcelo, é a satisfação de estar neste en-
contro, palestrando, concedendo entrevistas, podendo continuar com-
partilhando seus pensamentos, que não se esgotam, que permanecem
ativos, relevantes...
Marcelo Viñar: Nem tanto. Já me aconteceu de sentir muita vergonha ao
pensar que o mundo que estamos deixando para nossos lhos e netos
é pior do que o mundo que nós desfrutamos. Estamos enfrentando
três guerras simultâneas: a da Ucrânia com a Rússia, a dos armênios e
a dos judeus com os palestinos. Sinto o alarme de que a qualidade de
vida está piorando; o deterioro do planeta, a mudança de um planeta
holomórco, com diferentes facetas conectadas, com uma que a
lucratividade como norte.
Eu sinto isso toda vez que entro em um avião. É louco o progresso da
aviação; colocar duzentas pessoas a dez mil metros de altura muitas
vezes todos os dias, é progresso ou é loucura? Bem, talvez nós sejamos
loucos. Há 50 anos, ir para a Europa era uma ou duas vezes na vida e
para os mais ricos, agora é diferente; a loucura da cultura consumista
muda os códigos do envelhecimento.
CPPL: Tem alguma coisa que você gostaria de adicionar e que nós não
perguntamos?
Marcelo Viñar: Que seria terrível se o homem fosse imortal; porque ain-
da assim teríamos que procurar coisas que não foram procuradas. Por
exemplo, eu tenho uma casa confortável, lhos e netos, e alguns pacien-
tes que complementam minha aposentadoria; mas isso pode fazer com
que eu esqueça, por exemplo, que o ACNUR considera que existem cem
milhões de refugiados que não têm onde morar.
E isso não é amanhã, é hoje, ou foi desde ontem, e continua crescendo.
Isso ocorre porque será difícil renunciar ao que a modernidade trouxe;
trouxe muitas coisas boas, a revolução industrial, o motor a vapor, a
eletricidade... Vivemos em um mundo diferente do mundo dos nossos
antepassados; antes, as cabanas não tinham televisão, agora têm, então
o supéruo está saturado.
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E o que fazer para tomar medidas para frear o crescimento demográco
do planeta? Os chineses tentaram, autorizando um ou dois lhos por
família. Agora, por razões militares, permitiram que se expandissem
para mais lhos. Mas o crescimento demográco e o dano ao planeta,
não são apenas maldades, como o desmatamento da Amazônia e outras
formas de destruição, são problemas a serem enfrentados, mas conti-
nuamos fabricando carros, e eu não acredito que o carro elétrico resolva
o problema. Recentemente, o Uruguai esteve prestes a car sem água;
choveu por sorte quando a expectativa era terrível; sem água para be-
ber, sem água para tomar banho, para regar o jardim, a reserva de água
secou.
CPPL: Temos muitas outras perguntas, mas achamos melhor parar por
aqui.
Marcelo Viñar: De qualquer forma vamos nos ver no Congresso e pode-
mos continuar conversando.
CPPL e SEDES: Muito obrigado, Marcelo. Foi um prazer e um privilégio
conversar com você.
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